Expectativa é de que, em seu mandato, presidente eleito apresente meta mais ambiciosa para redução de gases de efeito estufa e defenda mecanismo de perdas e danos
Esta reportagem integra a série Na Rota da COP 27, com a cobertura dos principais temas da Conferência do Clima no Egito
Por Renato Grandelle*, de Sharm-El-Sheikh
Luiz Inácio Lula da Silva ainda não vestiu a faixa presidencial nem se mudou para o Palácio do Planalto, mas as expectativas com seu terceiro mandato já transformaram a Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 27). Estima-se que, em sua visita a Sharm el-Sheikh esta semana, o petista sinalize quais assuntos tratados pela convenção serão prioridades em seu governo, e que assuntos pretende liderar no bloco das nações em desenvolvimento.
Há paralelos entre a eleição de Lula e, dois anos atrás, do presidente americano Joe Biden. Ambas as vitórias foram vistas como a volta de atores-chave – os Estados Unidos e, agora, o Brasil – à linha de frente das negociações, após quatro anos de autoproclamado isolamento diplomático. Agora, Lula, tal como o mandatário americano, pode delegar a gestão climática a um enviado especial, ou mesmo construir um novo órgão de governo para tratar do assunto.
“Os chefes de Estado, como Biden, vieram à COP na primeira semana. Agora, Lula terá o palco só para ele. Gostaria de ouvir o que ele tem a dizer sobre o mecanismo de perdas e danos, que provavelmente será o grande tópico das negociações nos próximos dois anos”, explica Bruno Toledo, pesquisador do ClimaInfo e doutor em Relações Internacionais pela USP, referindo-se à compensação aos países mais vulneráveis pelo impacto provocado pela mudança climática.
Outra expectativa é que Lula se dedique a uma revisão das metas climáticas nacionais, as NDCs. No governo Bolsonaro, as métricas para seu cálculo tornaram-se mais flexíveis, e o Brasil, na contramão da comunidade internacional, diminuiu a ambição do corte de suas emissões de gases de efeito estufa.
“Lula precisará retificar a ‘pedalada climática’ do governo Bolsonaro. Ainda não sabemos, porém, se fará uma revisão substancial ou se será um gesto mais simbólico. Provavelmente teremos mais noção quando conhecermos seu indicado para o Ministério do Meio Ambiente e para o futuro órgão climático”, avalia Toledo. “Mas é preciso considerar que o Brasil não está isolado do resto do mundo, e que não adianta assumirmos uma meta ambiciosa se outros grandes emissores, como China, Índia e Rússia, não fizerem o mesmo”.
Para Toledo, Lula sinalizará a intenção de sediar no Brasil a COP 30, em 2025. Estimava-se que o País hospedaria a conferência em 2019, mas, no ano anterior, o governo de transição de Jair Bolsonaro rejeitou a convenção, alegando restrições orçamentárias. A COP, então, foi transferida para Santiago e, depois, para Madri.
O pesquisador do ClimaInfo acredita que a delegação oficial brasileira não trará mudanças significativas em Sharm el-Sheikh, já que continua sob a batuta do governo de Jair Bolsonaro. No entanto, já seria possível notar uma discreta suavização em seus posicionamentos, comparado ao tom duro que assumiu nas últimas duas COPs, que fez o país ser acusado de travar as negociações internacionais.
Cotada para assumir o órgão climático do governo Lula, a ex-ministra Izabella Teixeira, conselheira da presidência da COP 27, ressaltou, em um painel na última sexta-feira, a “mudança de perspectiva” da comunidade internacional em relação ao Brasil.
“Não há mais um olhar de estarrecimento, desconfiança e de falta de credibilidade”, comentou Teixeira no debate “Brasil, potência verde”, no Brazil Climate Action Hub. “Todo mundo quer conversar com o Brasil. É um país que quer ouvir e entende a diferença dos outros, sem impor a sua realidade.”
Agora, segundo Teixeira, o momento é de “conectar as agendas”, assinalando que o combate à mudança climática é fundamental para garantir a segurança alimentar da população e converge com o projeto de desenvolvimento econômico do país. Para isso, no entanto, é necessário buscar “soluções contemporâneas” para as singularidades do País: “O desmatamento é um problema do passado, que marca a Amazônia com os seus piores indicadores e condena o Brasil à exclusão. A Amazônia põe o Brasil no mundo, a Amazônia de hoje tira o Brasil do mundo”.
Reforço contra a devastação da floresta
A líder indígena Txai Suruí está convicta que o “efeito Lula” já traz benesses ao País, como o anúncio do governo norueguês de que retomará o financiamento ao Fundo Amazônia. A destinação de recursos para o combate ao desmatamento estava congelada desde 2019.
No ano passado, a ativista denunciou, na abertura da COP 26 (em Glasgow), a violência contra os povos indígenas na Amazônia. Desde então, entrou na mira dos bolsonaristas – o presidente a acusou, sem citá-la nominalmente, de “atacar o Brasil” – e recebeu até ameaças de morte.
“O Brasil está voltando a ser um protagonista nas discussões ambientais, e os indígenas devem ganhar mais destaque. Somos os melhores diplomatas que o país tem, porque somos ouvidos e conseguimos proteger a Amazônia”, destaca Suruí. “Lula prometeu criar um Ministério dos Povos Originários. Também precisa voltar a demarcar terras indígenas e retirar delas invasores e grileiros que estão estuprando as mulheres”.
A deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP), questionada sobre a mensagem de Lula de COP, respondeu durante coletiva de imprensa: “Eu jamais anteciparia a mensagem do presidente, senão não seria a mensagem do presidente. Obviamente que a presença dele aqui já é uma mensagem. Quem que acaba de ser eleito faz questão de vir à COP? Com certeza, é em função daquilo que ele já anunciou em sua campanha, de que o Brasil volta ao protagonismo climático internacional, sobretudo para liderar pelo exemplo.”
*Renato Grandelle, jornalista, cobre a COP 27 no Egito para a Página22