O babalorixá Rodney William quer mostrar que a tradição religiosa e a sustentabilidade andam juntas. Partindo da crença de que os orixás representam as forças da natureza, não faz sentido lançar no ambiente oferendas que o prejudiquem. Campanhas de conscientização dos devotos têm sido crescentes para evitar a poluição ambiental
Por Amália Safatle e Sérgio Adeodato
Contexto: No dia 2 de fevereiro, todo o Brasil celebra Iemanjá, com entregas de barquinhos e presentes por todo litoral brasileiro. Segundo a Empresa de Limpeza Urbana de Salvador, 81 toneladas de lixo foram recolhidas somente nas faixas de areia e circuito do Rio Vermelho, após a Festa de Iemanjá, em 2023. Com o objetivo de atenuar o impacto ambiental, que se dá sobretudo pela poluição do mar, Rodney William e outras lideranças religiosas propõem a substituição de materiais prejudiciais ao ambiente por oferendas mais sustentáveis.
Após pesquisa desenvolvida pelo babalorixá e biólogos integrantes de seu espaço religioso IIlê Obá Ketu Axé Omi N’la, foram criadas algumas orientações para todos que desejam participar das tradicionais comemorações na Bahia e em todo país . Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, Rodney William atua como babalorixá e é uma voz em temas relacionados à cultura negra no Brasil.
Diante disso, Página22 propôs Três Perguntas Para…
Rodney William, babalorixá
1:
As religiões de matriz africana têm uma relação intrínseca com as forças da natureza. Assim, lixo e oferendas são elementos que não combinam. Podemos dizer que este é um dos fatores que motivou a iniciativa? Quais outros?
Talvez o fator mais importante seja estabelecer uma diferença entre oferendas e lixo. As religiões afrobrasileiras sempre tiveram uma preocupação genuína com o meio ambiente por acreditar que os orixás são as forças vivas da natureza. Com a ajuda de Walner Sovi, consultor em sustentabilidade, pudemos estruturar um projeto e perceber que esse tema deve ser um compromisso coletivo. Contudo, quando cada um de nós assume sua responsabilidade, os resultados são ainda mais expressivos. Formalizar a consciência ambiental do povo de terreiro tem sido nosso grande objetivo, mostrando que tradição e sustentabilidade podem, sim, caminhar juntas.
2:
Quais são as alternativas propostas?
Entre as alternativas que propomos, diminuir os impactos ambientais de nossas oferendas é certamente a maior premissa. A eliminação de produtos industrializados e químicos, plástico, vidros, isopor e afins, com uma substituição por tudo que for natural e biodegradável. Há também uma preocupação com a quantidade, para não sobrecarregar a capacidade de absorção dos oceanos. Demonstrar que, quando nossos rituais saem do âmbito do terreiro e ganham esse aspecto cultural e festivo também são afetados pela lógica do consumo.
É preciso fazer o caminho de volta e convencer as pessoas que a melhor forma de agradar e agradecer Iemanjá é preservar sua morada.
Temos feito um trabalho bastante intenso nas redes sociais e na divulgação de nossas práticas, buscando parcerias de empresas que também se preocupam com essa questão. Além de significativa, a adesão vem sendo consciente e muito qualificada, com sugestões valiosas e uma percepção de que as pessoas realmente desejam assumir essa responsabilidade e contribuir para a preservação da vida e da natureza.
3:
Como tem sido a resposta dos devotos para alternativas realizadas nos últimos anos? É possível manter a tradição e ainda aproveitá-la para disseminar novos hábitos, para além do dia 2?
Os devotos são nossos maiores aliados, porque sempre houve essa preocupação nos terreiros de Candomblé. Nosso desafio é inserir essas práticas sustentáveis em uma sociedade que preconiza o consumismo e acredita que quanto mais se dá, mais se recebe. Essa noção de barganha contaminou os ritos e fez crescer a festa de Iemanjá sem considerar os riscos para o meio ambiente. Quando vimos a quantidade de resíduos que a festa produz, percebemos a necessidade de pensar em alternativas. A reciclagem é fundamental, mas a preparação de um presente sustentável minimiza a produção de lixo nas praias e possibilita o investimento em outros recursos.
Por que não incentivar as pessoas a converterem o valor de um frasco de perfume de alfazema em doação para a manutenção da casa de Iemanjá? Os terreiros fazem um trabalho social considerável nas periferias deste país. Imaginem tudo que pode ser feito se esses presentes se transformarem em recursos que financiem esses projetos. Walner Sovi vem nos ensinando que sustentabilidade é, antes de tudo, pensar em pessoas e em uma maneira responsável de se integrar ao planeta.
A seguir, algumas peças da campanha de conscientização dos devotos: