DEU NA PÁGINA22… há 16 anos
A nova época geológica, que poderia ser oficialmente determinada em agosto, foi objeto de reportagem em 2008. A definição contribui para compreender o impacto humano, até então desastroso, sobre a Terra. Mas também serve para que um país como o Brasil se veja apto a protagonizar o Antropoceno 3.0, desta vez inteligentemente manejado
Por Magali Cabral e Amália Safatle
Em edição de abril de 2008, a jornalista Flavia Pardini abordava, na reportagem O Mundo Conosco, um tema praticamente inédito no Brasil fora do meio científico: a Universidade de Leicester, no Reino Unido, propunha que a Ciência desse adeus ao Holoceno, iniciado há 11.700 anos, após a era do gelo, e reconhecesse o início de uma nova época geológica, o Antropoceno. “A teoria ainda é controversa – segundo a reportagem –, mas cada vez mais cientistas acreditam que a magnitude da influência do homem sobre o planeta é comparável às forças climáticas e geológicas que moldam a biosfera terrestre e seus processos”.
O momento dessa transição pode estar chegando. Em agosto próximo, o Congresso Geológico Internacional, a realizar-se na Coreia do Sul, deve votar a proposta. O encontro vai definir se, e a partir de quando, os sinais geológicos são marcantes a ponto de determinar a mudança de época da Terra. A definição, entretanto, teve um revés: a maioria do membros de um comitê acadêmico da Comissão Internacional de Estatigrafia acaba de votar contra, após um debate de 15 anos.
“Não é nada simples identificar o momento histórico desse grande salto de Holo para Antropo”, escreve o professor José Eli da Veiga neste artigo publicado em 2019 também pela Página22. Nele, Veiga expõe a controvérsia sobre a datação desse ponto de mutação, mas afirma que tende a haver consenso de que ele ocorreu em meados do século passado, quando as primeiras explosões nucleares coincidiram com o desencadeamento de incomparável surto de progresso material, chamado pelos historiadores ambientais de A Grande Aceleração”.
Eli da Veiga enumera: “No piscar de olhos histórico em que viveram as três últimas gerações, o número de veículos motorizados passou de 40 milhões para 850 milhões. A produção de plásticos de mero milhão de toneladas para 350 milhões de toneladas. A quantidade de nitrogênio sintético (principalmente para fertilização agrícola) foi de 4 milhões de toneladas para mais de 85 milhões de toneladas. Somados à erosão da biodiversidade e à acidificação dos oceanos, esses rapidíssimos saltos caracterizam “A Grande Aceleração”.
Se o Brasil, que embarcou de cabeça na Grande Aceleração a partir da década de 1950, pouco pode se orgulhar de ter colaborado para tal fenômeno, ainda tem a chance de prestar uma contribuição positiva para a história da humanidade, na visão de outro estudioso do tema, o historiador ambiental José Augusto Pádua.
Dono de um potencial ambiental ímpar, o País protagonizar o que ele chama de Antropoceno 3.0, nesta entrevista concedida em 2016 a Amália Safatle, na Página22. “A expressão se refere a uma nova fase potencial do Antropoceno, desta vez inteligentemente manejado, depois que o ser humano tomou ciência dos estragos que causou à vida na Terra. O emprego de fontes renováveis de energia, inserido em uma economia cada vez mais circular, tem tudo a ver com essa futura etapa que pode e deve ser descortinada.”
(Texto atualizado em 10 de março de 2024)