Ele criou startups de sucesso vendidas a gigantes da tecnologia e agora investe em cérebros da Ufam de olho na união entre computação e biodiversidade com a marca da Amazônia
O manauara Edleno Moura, doutor em Computação, é expert em negócios com startups disruptivas, aquelas que rompem paradigmas. Entre outras investidas, criou a Akwan, vendida há vinte anos para o Google, em transação inédita. Sem perder a raiz cabocla, o professor concebeu ideias fora da curva que renderam prestígio e marcaram a trajetória da tecnologia digital no País.
Não só isso. Além de investidor e sócio em empreendimentos inovadores, o professor do Instituto de Computação (IComp) na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em Manaus, finca o pé no ambiente acadêmico como mentor de jovens talentos que seguem igual caminho. E alcançam confortável padrão de vida, hoje com a aposta no casamento entre o mundo digital e a biotecnologia.
“O conhecimento abre oportunidades na Amazônia, em momento incrível da inteligência artificial (IA) para empregos e novos negócios”, afirma Moura, filho de pais órfãos que nas dificuldades viram na educação a melhor alternativa. Foram passos meteóricos. À época do doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1999, o amazonense uniu-se ao professor Nívio Ziviane, pioneiro na criação de startups a partir de projetos com alunos – a exemplo da Metaminer, comparador de preços de grande reconhecimento no mundo, vendido para o UOL.
O objetivo na parceria com o pesquisador mineiro foi colocar no mercado o novíssimo sistema de busca na internet desenvolvido por Moura. Foi criada a startup Akwan (veloz, em tupi-guarani), que atraiu fundos de capital de risco e fez barulho entre gigantes do setor. Em 2005, o negócio foi vendido ao Google, na primeira aquisição da bigtech fora dos Estados Unidos.
Antes do feito, em 2002, Moura já tinha retornado a Manaus como professor da Ufam, onde iria seguir “fabricando” startups. “O salário na universidade representava bem menos do que os ganhos nas empresas, mas segui o insight de novos ventos”, diz.
O período contratual de quarentena com o Google (2005 a 2009), em que não poderia abrir novo negócio concorrente, coincidiu com o pós-doutorado. Logo depois, foi aberta a porteira na “maternidade” de novas startups, como a Neemu, empresa de busca para e-commerce criada em sociedade com professores da Ufam. Entre eles, Altigran Soares da Silva, parceiro de Moura nos negócios inovadores junto a alunos de mestrado e doutorado desde o início da trajetória.
Em cinco anos, a Neemu se tornou uma das maiores do segmento no País, com clientes como Americanas, Submarino, Livraria Cultura e Ricardo Eletro, até ser vendida em 2015 por R$ 55 milhões ao Linx, e desse à Stone. Após a transação, Moura seguiu adiante nas inovações. Estabeleceu parceria com a empresa de cashback Méliuz para montar o braço tecnológico em Manaus. E fundou a Teewa, que usava IA para fazer chatbots, robôs de conversação em plataformas de compras.
Essa, contudo, foi colocada à venda e o time de tecnologia, originário da Ufam, passou a integrar em 2019 o projeto da Jusbrasil – empresa que queria se tornar o “Google do mundo jurídico” por meio da indexação de leis e de toda a jurisprudência no megasite de pesquisa, incluindo interações com ferramentas de IA.
“Nesse ambiente, alunos com histórias de vida difíceis se destacavam no País e no exterior”, enfatiza Moura, que lá atrás no tempo, quando membro do Conselho Superior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), havia conhecido o empresário Denis Minev, diretor-presidente do Grupo Bemol, à época secretário estadual desenvolvimento econômico.
“Ele tinha acabado de voltar dos Estados Unidos e me abordou dizendo que o Google tinha comprado uma empresa brasileira. Perguntou: por que não fazemos aqui em Manaus?”, conta o professor do IComp, que então informou ao empresário ter sido ele o autor da façanha.
Olhar na biotecnologia amazônica
Hoje Minev, investidor-anjo de negócios inovadores, tem parceria com Moura e time da Ufam em novo campo de atuação, estratégico para a Amazônia: a união entre computação e biotecnologia. O tema atraiu o filho do professor, Lucas Saraiva de Moura, atualmente na graduação em Ciência da Computação com expectativa de caminhar ao lado do pai rumo, quem sabe, ao primeiro unicórnio da Amazônia – ou seja, uma startup de US$ 1 bilhão.

No momento, as esperanças estão na Eterna Biotech, criada em parceria com a equipe de Spartaco Astolfi, professor aposentado da Ufam, referência nacional na área biotecnológica. A ambição é disruptiva: descobrir a fonte da eterna juventude. Com R$ 2 milhões de um grupo de investidores, os pesquisadores investigam caminhos de retardar o envelhecimento das células por meio de ferramentas genéticas. O negócio tem potencial de decolar diante dos indicadores demográficos que retratam o aumento da população idosa no mundo e no Brasil. “A ideia é viver mais e melhor, com possibilidade de novas terapias, inclusive na cura da doença de Alzheimer”, revela Moura.
Segundo ele, modelos computacionais e avanços da IA “vão gerar entendimento sobre os mecanismos da vida como nunca antes na humanidade, e não queremos ficar fora desta festa”. Frente a isso, alunos de doutorado que poderiam estar nas melhores universidades no exterior optaram por ficar em Manaus e fazer parte do momento, como no caso de José Mateus Rodrigues, integrante da Eterna. Outros dois talentos – Whendel do Nascimento e Roberto Filho – também apostam na sociedade com os professores com faro no mundo “bio”.
Com o potencial de novas conexões entre alunos do Icomp e o mercado, o professor reduziu a carga horária em sala de aula para exercer funções como diretor da Jusbrasil, sem sair da universidade. “Se investirmos na educação, o empreendedorismo vem junto”, analisa Moura, ao lembrar que os resultados se multiplicam também no cenário indígena. Ele reforça que não há lugar no interior da Amazônia onde não existam exemplos fora da curva – mas os talentos precisam ser reconhecidos e valorizados.
“Se falar inglês e tiver conhecimento em computação, por meio do trabalho remoto poderão ganhar três vezes mais em relação ao emprego no Polo Industrial de Manaus”, completa Moura. O professor tem meta de ajudar na criação de 10 mil empregos de tecnologia na capital, onde a IA bate à porta com potencial de criar na Amazônia um polo de referência global.
Uma nova relação da metrópole com a floresta
A existência do conglomerado empresarial associado à Zona Franca de Manaus, às margens do local onde as águas pardas do rio Solimões encontram as escuras do Negro para então seguir até o Atlântico com o nome de rio Amazonas, tem alto potencial como polo irradiador de inovações.
Ao atrair contingentes populacionais do interior sem planejamento urbano, a metrópole acumulou bolsões de pobreza nas periferias. Em parte, ao longo das décadas, a atividade econômica concentrada na capital diminuiu involuntariamente pressões do desmatamento no Amazonas – o que também é resultado da criação de Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Hoje há o movimento de olhar para longe dos grandes centros, em busca de diversificação da matriz econômica e de aderência a agendas de sustentabilidade no contexto das mudanças climáticas. O desafio requer investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI) também voltados ao mundo “bio”, visando maior valorização de atividades compatíveis com a floresta em pé.
O desafio envolve a necessidade de reduzir a informalidade, resolver gargalos produtivos e gerar alternativas sustentáveis de renda no interior, com inclusão dos povos tradicionais. Mobiliza academia, empresas, poder público e organizações comunitárias no sentido de um novo modelo de desenvolvimento. Manaus, como maior e mais rica metrópole da Amazônia, tem papel relevante nas interações com as cadeias produtivas da sociobiodiversidade, sem dar as costas para a floresta.
Vem aí o bioplástico da castanha
Uma das inovações mais expressivas resultantes da interação Manaus-floresta está no desenvolvimento de bioplástico a partir de insumos verdes, como o ouriço da castanha-do-brasil hoje descartado como resíduo após a extração das amêndoas pelos produtores. “Há mais de duas décadas olhamos para os riscos crescentes da sustentabilidade de nosso negócio”, afirma Fábio Calderaro, gestor de inovação e novos negócios da Tutiplast, fabricante de componentes plásticos que abastece 15 setores industriais na Zona Franca de Manaus.
Atualmente, a empresa funciona como um hub tecnológico na busca de fontes renováveis de matéria-prima – trabalho que vai desde a origem na floresta até os testes finais de mercado em produtos como embalagens ou peças de carros, motocicletas, ar-condicionado e outros eletroeletrônicos fabricados no Polo Industrial de Manaus.

“Mais desafiador do que desenvolver a tecnologia é estruturar a cadeia produtiva e a demanda”, ressalta Calderaro. O ponto de partida para o aproveitamento do ouriço da castanha foi a organização e capacitação técnica dos extrativistas em Lábrea (AM), uma das áreas de maior pressão de desmatamento, no Sul do Amazonas. O trabalho abrangeu uma comunidade indígena e três ribeirinhas ligadas à Associação de Produtores Agroextrativistas da Colônia do Sardinha (ASPACS), com apoio do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio). Coordenada pelo Idesam, a política pública da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) repassa para inovações recursos de Pesquisa e Desenvolvimento que as indústrias são obrigadas a aportar pela Lei de Informática.

Em Lábrea, o produto passou a gerar renda na concorrência com atividades ilegais, como o garimpo, além de reduzir a poluição pelo descarte do resíduo. Após o processo inicial de seleção, lavagem e moagem no interior, o material é encaminhado à Tutiplast, em Manaus, onde é transformado em bioplástico, com o desenvolvimento customizado de cada aplicação nas indústrias. Atualmente, as comunidades da floresta fornecem quatro toneladas por mês para os testes na capital – e chegam novos recursos para melhorar a tecnologia e aumentar a velocidade de produção, após aprovação de R$ 9,5 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

“Há capacidade muito maior de fornecimento, mas falta demanda das empresas pelo produto renovável”, aponta Calderaro, na expectativa de um maior engajamento como estratégia de redução de pegada de carbono – inclusive diante dos recentes indicativos de políticas nacionais no tema. Hoje a principal resistência de mercado ao bioplástico está no custo, 20% maior em relação ao produto convencional com origem no petróleo. Indústrias de diferentes setores, mais aderentes ao tema da sustentabilidade, já estão testando a novidade em seus produtos.

Simultaneamente ao ouriço da castanha, a Tutiplast, com plano de investir R$ 16,5 milhões no bioplástico até a produção em escala comercial, testa o uso de outra matéria-prima regional na empreitada: o curauá, bromélia parente do abacaxi, com fibras de alta resistência mecânica. Hoje há dois hectares experimentais plantados para pesquisas em campo, além da micropropagação de mudas em laboratório no Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA), em Manaus.

A atual capacidade precisará aumentar de 6 mil para no mínimo 700 mil mudas por ano para que a produção comercial de bioplástico se torne viável. “Isso tudo representa empregos sustentáveis no interior com alta relação custo-efetividade”, afirma Calderaro, autor de estudo de doutorado apontando a indústria de transformação de plásticos como um dos setores de maior potencial no consumo de matéria-prima florestal, induzindo novas cadeias produtivas.

