Por Amália Safatle e Flavia Pardini
Depois de quatro anos à frente do Ministério do Meio Ambiente, Marina Silva diz que o Brasil tem uma “base limpa” para integrar a questão ambiental aos demais setores do governo. O desafio agora é reduzir o desmatamento ilegal a zero e valorizar a floresta em pé. Um dos meios para atingir esse fim foi apresentado na 12a Conferência das Partes (COP) da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança Climática, em novembro, no Quênia: um fundo para evitar as emissões de gases de efeito estufa pelas florestas tropicais. Para Marina, o mecanismo tem um apelo ético e garante que, mesmo sem metas estabelecidas, o Brasil estará limpando seu futuro.
Página 22: Qual sua avaliação da COP 12?
Marina Silva: Os países desenvolvidos que perseguem o cumprimento de metas de certa forma querem que aqueles em desenvolvimento – que são beneficiários do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas – assumam metas também. E estes, que não têm a mesma quantidade de emissão que os países desenvolvidos, historicamente falando, reivindicam o direito de não ter obrigações. A discussão ficou em torno disso. O interessante nesta COP, para além das negociações e do segmento ministerial de alto nível, foram os diálogos, um espaço de discussão em que vários países apresentaram propostas, inclusive o Brasil. Ainda que os países desenvolvidos queiram transferir aos em desenvolvimento o mesmo pé de responsabilidades para a segunda fase de compromisso, mais uma vez o Brasil foi proativo. Porque desta vez não fomos apenas com uma proposta, uma modelagem. Fomos com o dever de casa em processo de feitura. Nossas emissões, do ponto de vista histórico, representam em torno de 1%, mas as emissões atuais são significativas – e o maior vetor é o desmatamento. O País fez um plano de combate ao desmatamento nos últimos três anos e meio e teve, nos últimos dois anos, uma redução de desmatamento de 52%. Isso levou a uma redução de emissão de 15% de tudo o que precisava ser reduzido nos últimos dois anos no âmbito de Kyoto. Essa redução é de 128 milhões de toneladas de CO2. Não estamos falando de pedir apoio, mas partindo do ponto em que temos um plano, um sistema de monitoramento, estamos implementando o plano e já temos resultados. E, se para os países desenvolvidos é difícil mudar a matriz energética de fóssil para a renovável e de energias limpas, para as nações em desenvolvimento é muito difícil mudar o modelo de desenvolvimento. Os países ricos são ricos porque converteram floresta, suprimiram biodiversidade, usaram de forma inadequada, em muitos momentos, os recursos naturais e hídricos. E os países em desenvolvimento vinham perseguindo esse caminho. Como do ponto de vista técnico, científico, ambiental, ético e humanista, não podem continuar, vão precisar mudar o modelo de desenvolvimento.
22: Ao não aceitar metas, os países em desenvolvimento não vão pelo mesmo caminho?
MS: Se os países desenvolvidos precisam da obrigatoriedade para mudar seu processo de desenvolvimento – até porque quem fumou o cachimbo mais de um lado tem um pouco mais a boca torta -, os países em desenvolvimento estão fazendo isso a partir de si mesmos e com baixos recursos, e às vezes pouca tecnologia, tendo de enfrentar problemas sociais gravíssimos.
Temos a necessidade de crescimento econômico, mas também de sustentabilidade. Não vejo isso como uma guerra apocalíptica entre países ricos e em desenvolvimento. Não dá para transferir a responsabilidade unilateralmente aos países em desenvolvimento, como se a conta histórica de todos passasse a ser cobrada de quem menos pode, de quem menos tem, e de quem menos poluiu.
Quando o Brasil reduz 128 milhões de toneladas, sem ajuda de ninguém, está limpando o futuro. Em 2012, quando forem feitos os novos compromissos, o cálculo será diminuído de acordo com as mudanças no índice de emissão. Estamos afetando o cálculo a partir de agora.
22: Como foi recebida a proposta brasileira?
MS: Teve interesse significativo da parte da África do Sul, sem falar da Costa Rica, dos países da Bacia do Congo, de Papua Nova Guiné, e da Alemanha, que se mostrou muito interessada, independente de compromisso ou não, em dar força para iniciativas como a do Brasil. O secretário-geral do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) se comprometeu a trabalhar um seminário conjunto com países detentores de floresta tropical para alavancar o processo. Essa COP não tinha o mandato de sair com uma resolução para o problema da proposta brasileira. Há bem pouco tempo nem sequer se admitia colocar floresta no âmbito da Convenção. Apresentamos a proposta e ela será trabalhada nos grupos técnicos para sua viabilidade.
22: Um mecanismo de mercado não seria mais eficiente?
MS: Mecanismo de mercado já existe no MDL…
22: Mas não inclui floresta.
MS: Porque naquele período isso não era possível. Pensamos em criar um mecanismo que de fato chame à responsabilidade política, ética, ambiental e social os países desenvolvidos e todos aqueles homens e mulheres que estão preocupados em reduzir emissões e proteger a biodiversidade. Há pessoas querendo comprar terra na Amazônia para proteger as florestas. Quem tem recursos, seja empresa, seja governo, pode aportar nessa espécie de fundo, que vai beneficiar os países na parte de crédito, pesquisa, tecnologia, e principalmente, mudar o modelo de desenvolvimento. É um mecanismo interessante, porque faz um apelo ético. Se colocarmos como mecanismo de mercado, primeiro pode-se concorrer com os recursos já existentes – queremos que os recursos sejam adicionais; assim como as reduções. Das emissões globais, 80% vêm da matriz energética dos países desenvolvidos pelo uso de combustíveis fósseis. Se isso não mudar, as florestas serão destruídas do mesmo jeito. Não adianta reduzir os 20% pelo uso da terra – destes, em torno de 15% vêm da floresta.
22: A palavra que marcou sua gestão foi “transversalidade”. Depois de episódios como importação de pneus, transgênicos, soja na Amazônia, Belo Monte, transversalidade é possível?
MS: Não só é possível olhando para trás como olhando para a frente. Se não for assim, fica difícil falar com seriedade em defesa do meio ambiente. Os esforços feitos para o marco legal foram grandes contribuições. O desafio agora é a implementação da legislação. Isso requer uma nova abordagem: não é só o aspecto de regulação, de comando e controle, mas sobretudo de planejamento ambiental. Inserir critérios de sustentabilidade no planejamento dos diferentes setores de governo. O novo modelo para o setor elétrico reflete isso. Antes não se falava em avaliação ambiental estratégica, por bacia hidrográfica, e hoje se faz isso concretamente. Antes, faziam-se o leilão e as licitações antes de conceder a licença ambiental. O empreendedor ficava com a expectativa do empreendimento, depois não conseguia a licença, e era transferida para o setor ambiental toda a responsabilidade pela falta de viabilidade do empreendimento. Pelo novo modelo, só se licita ou se leiloa se tiver a licença ambiental. Antes obras de infra-estrutura eram feitas sem nenhum tipo de planejamento socioambiental. Tivemos a felicidade de paralisar um empreendimento que estava com um consórcio privado para fazer – a BR-163 (Cuiabá-Santarém), cujo anúncio aumentou o desmatamento na região em 500% de 2001 a 2002. Reposicionamos o planejamento da área de abrangência da estrada, que é nada menos do que 24% da Amazônia, combatendo práticas ilegais, fazendo ordenamento territorial e fundiário, criando unidades de conservação (UC), demarcando terras indígenas e combatendo verdadeiras quadrilhas, levando à prisão de centenas de pessoas, desconstituindo empresas criminosas. E agora a licença está dada para os trechos que forem pedidos com esse planejamento. Para mim isso é transversalidade.
Tem sido assim no setor de petróleo e gás, de transporte, com a reforma agrária e outros. Esse é um patamar de conquista do qual a sociedade brasileira não pode abrir mão. É enganosa a visão de que não ter esses cuidados para os empreendimentos ajuda no aceleramento das obras. Se os estudos de impacto ambiental não têm qualidade, o Ministério Público com justa razão entra com ação, e liminares ficam anos tramitando na Justiça.
22: Mas o setor empresarial continua reclamando.
MS: É um processo de educação. Nem todos os que estão vivendo a realidade presente são capazes de fazer a mediação dos diferentes interesses – não são apenas interesses contemporâneos, mas entre a nossa geração, que tem reais direitos e necessidades, e as gerações futuras, que têm direito de ter os mesmos meios para se reproduzir econômica e materialmente. O Estado está aqui para fazer isso, e algumas coisas têm que ser alavancadas pelo poder do Estado, não para favorecer um ou prejudicar outro, mas para favorecer o interesse público.
22: Quando o presidente Lula fala em crescimento de 5%, leva em conta impactos ambientais? Ou ainda temos o MMA versus os ministérios desenvolvimentistas?
MS: Essa mentalidade vem de décadas… o setor ambiental nunca foi ouvido nos processos de infra-estrutura.
22: Hoje ele é ouvido? Ou se coloca contrário?
MS: Durante muito tempo nós perguntávamos aos desenvolvimentistas o que eles podiam fazer pelo meio ambiente. Hoje, começamos a dizer o que podemos fazer pelo desenvolvimento. E isso é pegar uma BR-163, que com certeza teria um veto de opinião pública nacional e internacional, e fazer um arranjo socioambiental que viabilizou a estrada tecnicamente, ambientalmente, socialmente. Em muitos momentos a relação é conflituosa, mas o patamar em que estamos é que o setor elétrico incorporou critérios de sustentabilidade quando aprovou o novo modelo. As novas rodadas de petróleo são capazes de excluir blocos porque o setor ambiental diz que são de alta complexidade – centenas de blocos foram excluídos ex ante. O setor ambiental disse ao Ministério da Integração Nacional, que era o empreendedor do projeto de transposição de bacias, que a retirada de água de 140 metros cúbicos por segundo do São Francisco não era viável ambientalmente. Foi reposicionado para 26 metros cúbicos por segundo. Dissemos que o empreendimento não era possível sem um plano para a Bacia do São Francisco, e foi feito o plano.
Dissemos que não era possível antes que se fizesse o empoderamento do comitê da bacia, e foi feito. O programa de revitalização está em fase de implementação e começamos com a despoluição do Rio das Velhas. Isso é o setor ambiental sendo ouvido pelo de infra-estrutura.
22: A imprensa noticiou que o presidente mandaria mudar a legislação ambiental…
MS: Somos um Estado de Direito, democrático, quem aprova as leis é o Congresso. Dificilmente o presidente usaria o termo “mandar mudar”. Ele, mais do que ninguém, respeita o Congresso. O problema do Brasil não é a legislação ambiental, é o déficit de implementação em relação à legislação ambiental. Os ajustes e aperfeiçoamentos necessários estão sendo feitos da melhor forma possível, nos espaços institucionais adequados, o Conama, o Cgen, a Conaflor. A discussão de mudança na legislação tem a participação de toda a sociedade.
22: Mas existe uma vontade de flexibilizar em prol das obras de infra-estrutura.
MS: Não acho que o termo correto seja flexibilizar. Parece que estamos querendo facilitar algo que está dificultado. Não é isso, precisamos aperfeiçoar o processo. E isso começa com a estrutura, com a organização do sistema nacional de meio ambiente – hoje boa parte dos empreendimentos não está paralisada no Ibama, mas nos Estados. Trabalhamos nesses três anos e meio no âmbito da comissão tripartite nacional para organizar o sistema nacional de meio ambiente. E acompanhamos, com os Estados, capacitando municípios, tentando eliminar os sombreamentos de competências. O termo correto é a aplicação da lei, e, se aperfeiçoamentos precisam ser feitos, não podem ser em prejuízo das conquistas da Constituição de 88, e muito menos do nível de consciência que a sociedade brasileira tem, inclusive o setor empresarial.
22: É difícil haver retrocesso?
MS: Eu acrescentei às três dimensões clássicas da sustentabilidade – econômica, social, ambiental – mais duas: ética e política. Retrocesso ou não depende dessas duas dimensões. Se a sociedade brasileira der sustentação para que se persiga esse caminho, ele será irreversível. É a sociedade que tem que dizer o que quer em relação à Amazônia. Se quer, com as tecnologias que temos, desenvolvidas pela Embrapa, utilizar de forma adequada, dobrar nossa capacidade de produzir grãos e bovinos – são 165 mil quilômetros quadrados de área desflorestada, abandonada ou semi-abandonada – ou se quer deixar esses estoques de terra abandonados, destruir mais floresta. A sociedade brasileira tem que dizer o que quer em relação a sua biodiversidade. Temos trabalhado por um regime internacional de acesso que viabilize a justa partilha de benefícios pelo uso dos componentes da biodiversidade para os países de origem desses recursos. Trabalhamos para enviar ao Congresso uma lei de acesso, que está na Casa Civil em fase de ajustes finais. Aprovamos uma lei de gestão de florestas públicas em tempo recorde para dar uma contribuição à discussão. A floresta tem que ser valorizada em pé, com o uso dos produtos madeireiros, não madeireiros, não precisa ser privatizada para ter rentabilidade econômica ou utilizada de forma predatória. Criamos 20 milhões de hectares em Ucs, 25% de tudo o que já foi criado. Buscamos a sustentabilidade política para que as pessoas entendam que não vão fazer com a Amazônia o que fizeram com a Mata Atlântica.
22: E do lado econômico, o ministério tem suas restrições orçamentárias? O que se pensa em termos de instrumentos de mercado, por exemplo, pagamentos por serviços ambientais ou a lei do Snuc? São bem utilizados?
MS: Uma coisa que conseguimos mudar foi a visão de que os recursos para o setor ambiental devem ser apenas aqueles previstos no orçamento. Ampliamos significativamente o nosso orçamento na Esplanada. Se considerarmos que temos 27 delegacias especializadas da Polícia Federal, com estrutura e agentes treinados, combatendo crimes ambientais, isso é ampliar o recurso do setor ambiental. Se consideramos o Pronaf, que até então não tinha uma linha de crédito para a agricultura sustentável, orgânica, ampliamos significativamente o orçamento. Se considerarmos que o Ministério da Integração está bancando a revitalização do São Francisco, sobretudo a parte mais pesada, que é a despoluição… tem uma transversalidade também nos recursos. Além dos esforços para o orçamento, conseguimos aumentar em mais de 30% o efetivo do Ibama.
22: Então dinheiro não é problema?
MS: Seria leviano se eu dissesse isso em relação a qualquer setor do governo. Dinheiro é problema em um país em desenvolvimento com 180 milhões de habitantes, com mais de 30 milhões de pessoas pobres. Temos que buscar cada vez mais eficiência da arrecadação, do gasto. Se eu fosse criar mais 27 delegacias do Ibama, talvez não tivesse a mesma eficiência. A mim não interessa que esteja no meu ministério, interessa que seja eficiente e que dê a resposta. Não interessa se o avião é meu ou do Exército, mas que possa ser utilizado para fazer as 100 operações que fizemos este ano. Não interessa se o dinheiro está no Desenvolvimento Agrário ou no Ministério da Ação Social, mas que foi criada uma carteira indígena para atender os índios, um Pronaf para os produtos florestais. Não interessa se os técnicos que dão assistência técnica para a economia florestal comunitária estão no MMA ou na Agricultura, mas que sejam capazes de fazer isso, com a visão transversal. Eu quero ver ambiente no ambiente dos outros e no meu próprio ambiente.
22: A senhora citou a queda no desmatamento. Quanto vem do monitoramento mais eficaz, e quanto vem do preço mais baixo da soja no mercado internacional?
MS: Há alguns setores que se apressam em dizer que tudo aconteceu em função da queda das commodities. Quando chegamos aqui, as Ucs eram criadas em regiões remotas da Amazônia, não em áreas de pressão. O pessoal que trabalha com pesquisa, os ambientalistas, dizia: “Por que não se faz um barramento nos 45 municípios, ou mais, do arco do desmatamento?” Resolvemos não só colocar fiscalização ali, mas criar as Ucs, fazendo uma espécie de barramento na frente desse portão predatório. Dizia-se que era preciso dar transparência ao monitoramento, porque o desmatamento era uma caixa-preta, só se sabia quando o número estava consolidado, o leite derramado. Dois anos depois, criamos o sistema Deter. Fizemos um plano de combate ao desmatamento, levamos ao palácio, o presidente aceitou coordenar, com o apoio político da Casa Civil, e nós na secretaria-executiva. Diziam que era preciso envolver o conjunto de ministérios – envolvemos 13 ministérios. Que era preciso combater as práticas ilegais – fizemos 13 grandes operações da PF, 400 pessoas foram presas, envolvidas em crimes ambientais. Destas, 100 funcionários do Ibama que cometiam crimes por dentro do sistema. Foram desconstituídas 1.500 empresas criminosas e inibidas 66 mil propriedades ilegais de grilagem. Aí, quando as pessoas me dizem “foram as commodities ou foi a ação do governo?”, como isso nunca foi feito, eu, humildemente, digo: eu não queria ter ficado de braços cruzados, esperando que as commodities fizessem cair o desmatamento em 52%.
22: Mas é inegável que as commodities ajudaram.
MS: É uma das variáveis. Mas não quero ficar disputando com as commodities. O setor ambiental e as pessoas que pensam essa problemática colocaram na mesa um conjunto de sugestões e a gente resolveu transformar isso em política pública. Acho que essas pessoas todas não pensaram isso em vão. Senão, agora a gente ficaria rezando para que as commodities continuassem caindo.
22: E uma hora elas vão subir.
MS: É claro que algumas pessoas estão ansiosas por verificar se, de fato, foram exclusivamente as commodities, ou se todas essas ações tiveram alguma repercussão. Nada disso é motivo para baixar a guarda. Buscamos o desmatamento ilegal zero, a valorização da floresta em pé, o uso dos recursos madeireiros e não madeireiros, utilizar de forma eficiente as áreas já convertidas para não precisar abrir novas áreas. Esse é o desafio da próxima agenda. As ações de comando e controle deram uma resposta, mas não são a resposta. A resposta é mudar o paradigma de desenvolvimento na Amazônia. Claro, não tem como mudar o paradigma se quem continua ocupando a terra são os grileiros. E esses receberam um tiro de misericórdia. Não tem como mudar paradigma se dentro da própria instituição de fiscalização você tinha 100 pessoas envolvidas em crimes ambientais. Não há como mudar o paradigma se você tem empresas criminosas operando no sistema. Estamos buscando essa base limpa… os governos dos Estados têm responsabilidades, não se pode pensar em controlar um país de 8 milhões de quilômetros quadrados a partir de Brasília, do governo federal. Temos um sistema compartilhado e trabalhamos para organizá-lo.
22: A senhora falou em sugestões de ONGs, ambientalistas, cientistas. Como é a relação com o setor privado?
MS: Temos tido muitas contribuições, dentro de todos os espaços de diálogo, de diferentes setores. Aqui conversamos com todos. A vantagem de ter uma equipe ambientalista é que as pessoas não têm medo de conversar, de negociar com quem quer que seja, sabemos para onde queremos ir.
22: Como conciliar o investidor e a conservação, levando-se em conta que será necessária a criação de uma oferta energética maior. Algumas pessoas falam em Angra 3…
MS: Angra 3 eu sou contra, o MMA é contra. O Brasil tem potencial para resolver o problema energético sem lançar mão de Angra 3.
22: Dá para conciliar investimento com aumento da oferta energética sem impacto ambiental?
MS: O Brasil tem um potencial grande de diversificação da matriz energética. Temos 41% da nossa matriz energética renovável, 81% da matriz elétrica é renovável…
22: A senhora considera hidrelétrica renovável?
MS: É renovável, mas não se pode dizer que não tem impacto. Agora, o Brasil tem potencial em todas as frentes. Em biocombustíveis, não tem país que se compare ao Brasil. Os investimentos hoje buscam maior eficiência e isso tem a ver com a melhoria do setor de licenciamento. Quando chegamos aqui, tínhamos sete pessoas concursadas no setor de licenciamento para a parte de estradas, petróleo, gás, hidrelétricas. Agora temos 150. Tínhamos problemas em relação à qualidade dos estudos de impacto ambiental. Chegamos a ter estudos em que era feito um corte-e-cola, em que apareciam cachoeiras da Venezuela. Porque as pessoas partiam do princípio de que o estudo não seria visto. Hoje fazemos consulta pública até para o termo de referência para que se possa ter um alcance maior em relação àquilo que o empreendedor deve responder, e com isso aumenta a eficiência e a capacidade de resposta no que concerne à avaliação do EIA e dos pedidos de complemento. Temos o portal do licenciamento, em que as informações são colocadas de forma transparente, e o Conama aprovou uma resolução dando prazos para o licenciamento. O que não se pode é ter a idéia de que o licenciamento não é objetivo, que depende de vontade política para ser mais ou menos rápido. É um processo tão objetivo quanto apresentar e maturar, tecnicamente, um projeto.
22: Quão importante é para o Brasil crescer 5%? A senhora vê esse número com que olhar?
MS: Com o olhar da sustentabilidade econômica, social, ambiental, cultural, política e ética. Ninguém pode ser contra o crescimento econômico, temos é que qualificar o crescimento. Você tem “n” empresas que perseguem esse caminho e não vejo nenhuma indo à bancarrota- ao contrário, têm uma inserção social enorme, estão na vanguarda do ponto de vista econômico, da preferência dos clientes. O poder público está aí para ajudar a alavancar esses processos, não para não fazer pelas empresas, nem pelo cidadão, nem por ninguém. Mas fazer “com”. Por exemplo, acabamos de criar o distrito florestal sustentável da BR-163 em uma região que era inteiramente de grilagem, que gerava 18 mil empregos precários, arrecadava muito pouco de receita. Agora podemos ter a geração de 100 mil empregos, a arrecadação de mais de 1 bilhão de reais em receitas e a geração de mais de 400 megawatts em energia. A gente vive uma ambigüidade – por um lado há as necessidades imediatas e, por outro, as necessidades estratégicas em relação aos serviços ambientais, aos recursos naturais. Não podemos abrir mão de uma nem de outra, mas não se podem sacrificar os recursos de milhares de anos pelo lucro de apenas algumas décadas.
22: Alguma previsão para o próximo mandato?
MS: O meu mandato de quatro anos no Senado?
22: A senhora não fica no ministério?
MS: Eu brinco que só três pessoas sabem disso: Deus, o presidente Lula e eu. E nenhum dos três se manifestou sobre o assunto.
22: Pessoalmente, a senhora gostaria?
MS: Eu me sinto muito honrada pelo convite que o presidente me fez para o primeiro mandato. No dia em que a irmã Dorothy morreu, tive a certeza de que não poderia ter recusado o convite, porque não saberia que discurso daria na tribuna do Senado. Porque eu mesma ia dizer: “Olha, você foi chamada, e não quis”. Em que pese todas as dificuldades, o presidente Lula conduziu até aqui, junto comigo, essa agenda. Parar um empreendimento com um consórcio de 18 empreendedores, dezenas de prefeitos e dois governadores dizendo que era para começar ontem, e dizer que é preciso passar dois anos planejando, isso não se faz sem a ajuda do presidente. Reposicionar de 140 para 26 metros cúbicos por segundo a tirada de água do São Francisco, ninguém faz sem a ajuda do presidente. Criar 20 milhões de hectares em Ucs na frente da expansão predatória, onde a grilagem toda estava se instalando, não se faz sem a ajuda do presidente. Então, nesse primeiro período eu me senti muito honrada.
22: Prestigiada politicamente?
MS: Seja qual for o capital que você tenha, tem que colocar a serviço da sua ética, dos seus ideais, e do amor que você tem pela humanidade. Foi o que fiz.
22: É o que move a senhora?
MS: Eu sou movida a fé e a determinação.
22: A senhora gostaria de voltar ao Senado?
MS: Não é essa a questão. O que eu faço – meio ambiente, natureza, defender direitos humanos -, faço desde que comecei a me entender, com 17 anos. Fazia como sindicalista, como professora na minha sala de história, fiz na Câmara de Vereadores, na Câmara de Deputados, no Senado, aqui no ministério. No dia em que voltar a ser dona de casa, vou fazer isso, do tamanho que eu sou. O presidente é livre para montar a equipe dele. Esse ministério é fruto de um desejo da sociedade brasileira. As conquistas não são fruto da ação do ministro. Quanto mais estrelas no céu, mais claro é o caminho. Espero que eu tenha colocado alguma pontinha lá. Os outros já tinham colocado outras, outros virão e colocarão mais. O que a sociedade brasileira não pode permitir é que a estrela se apague.