Restaurados com apoio do conhecimento tradicional e da ciência, manguezais amazônicos vão revelar o potencial de contribuir para a mitigação climática. O objetivo é do projeto Mangues da Amazônia. Além de estocar carbono, esses ecossistemas funcionam como berço da biodiversidade marinha e protegem contra o avanço do nível do mar e desastres ambientais costeiros
É comum apontar a Amazônia como uma terra de superlativos. Tudo é grande: as distâncias do território, o tamanho dos rios, a altura das árvores e a extensão da floresta, a maior nas zonas tropicais do planeta. É grande, também, a diversidade. Ao contrário do que muitos pensam, a região não é uma vastidão verde, vazia e homogênea. Há múltiplos ecossistemas – das áreas alagáveis (florestas de igapó, várzeas, campos) às de terra firme (florestas densas, campinas, campinaranas, savanas, refúgios montanhosos). Junto a eles, diferentes paisagens, culturas, perfis econômicos, histórias de ocupação e realidades sociais.
Entre as várias amazônias, uma, em especial, é pouco falada: a Amazônia dos manguezais, negligenciada como o patinho feio da família, no encontro da floresta com o mar, onde a lama esconde não somente caranguejos, como um imenso valor na mitigação da mudança climática.
A zona costeira do Pará, Maranhão e Amapá, influenciada pelo estuário do Rio Amazonas ao desaguar no Atlântico, guarda uma das maiores faixas contínuas de manguezais do planeta. São mais de 8 mil quilômetros quadrados de florestas de mangue, cerca de 80% das existentes em todo o litoral brasileiro.
“Queremos dar visibilidade a essas áreas amazônicas com base na ciência, fortalecendo a organização social e a qualidade de vida de comunidades locais, guardiãs dos mangues como fonte de segurança alimentar e renda”, afirma João Meirelles Filho, diretor do Instituto Peabiru, em Belém.
No projeto Mangues da Amazônia, realizado pelo Peabiru em parceria com a Associação Sarambuí e a Universidade Federal do Pará (UFPA), com recursos do Programa Petrobras Socioambiental, o objetivo é conservar e restaurar áreas impactadas nesses ecossistemas em três reservas extrativistas dos municípios paraenses de Augusto Corrêa, Bragança e Tracuateua – fio condutor para pesquisas científicas e atividades econômicas, culturais e educacionais, beneficiando diretamente cerca de 1,6 mil pessoas e mobilizando em torno de 6 mil comunitários de modo indireto.
O plano é o plantio de mudas e sementes para a recuperação de 12 hectares em manguezais já impactados, com construção de viveiros comunitários e oferta de assistência técnica e monitoramento. Em dois anos, serão ao todo 60 mil mudas das 3 espécies de árvores de mangue dominantes na região.
“Juntamente à restauração do ecossistema, a educação ambiental entra para mostrar as riquezas naturais e a importância do uso sustentável”, explica John Gomes, gestor do projeto, que trabalhará prioritariamente com crianças e adolescentes de comunidades tradicionais, desenvolvendo temas ligados à agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, como a equidade de gênero.
O trabalho de repor árvores nos manguezais subsidiará estudos sobre a capacidade de estocagem de carbono, comparativamente entre áreas degradadas e conservadas:
“Na Amazônia, essas áreas funcionam como uma bomba de carbono, no solo, cobertura florestal e vegetação morta, oito vezes mais potente do que na Caatinga”, afirma o pesquisador Marcus Fernandes, coordenador do Laboratório de Ecologia de Manguezais da UFPA, integrante do projeto.
Esse potencial está associado à exuberância da floresta de mangue na Amazônia, com árvores de porte bem mais alto em relação à demais regiões costeiras do País, além da grande quantidade de matéria orgânica levada pelo Rio Amazonas até a foz.
Os manguezais se destacam pelos chamados “serviços ecossistêmicos”: além de estocar carbono, têm o papel de berçário da biodiversidade marinha – essencial à pesca para renda e segurança alimentar – e ainda desempenham a função de proteger contra o avanço do nível do mar e desastres ambientais costeiros.
Segundo Fernandes, os mangues amazônicos estão em bom estado de conservação, comparativamente aos do Nordeste e Sudeste. Mas, dependendo da região, enfrentam riscos como os existentes no Pará: queimadas do entorno e corte ilegal e predatório da madeira para fazer currais de pesca e carvão, entre outros. Globalmente, inclusive no Brasil, os manguezais sofrem o impacto da mudança climática.
“Com a restauração, queremos obter dados básicos para propor métodos sustentáveis de manejo, com engajamento das comunidades extrativistas”, aponta o pesquisador. Além da extração da madeira de mangue-branco, o alvo do trabalho está no caranguejo-uçá, bastante explorado na região para consumo inclusive em grandes cidades do Sudeste.
[Curral de pesca no manguezal. Foto: Rafael Araújo/ Peabiru]