Em sua mais nova obra, Viagem à Amazônia (ou por que destruímos a Amazônia em uma geração), o escritor e ativista João Meirelles Filho convida os jovens de todo o Brasil, inclusive os amazônidas, a incursionar pela Amazônia e definir o modelo de desenvolvimento que desejam para a região. Ele mesmo, um paulistano de origem, tornou-se um amazônida por opção, desde um passeio noturno, aos nove anos, pelas águas turbulentas do Rio Tapirapé a bordo de uma canoa.
Meirelles Filho espera que a mensagem chegue às jovens gerações de todo o País, para que tomem conta de seus destinos. “Os jovens do Brasil e da Amazônia têm que tirar os maus políticos do caminho, esses que se instalam no poder como meio de vida, criam clãs para sugar o poder e deixar a população cada vez mais pobre”, afirma. Baixe o livro aqui e saiba mais na entrevista a seguir:
Esta é sua primeira obra dedicada ao público jovem. O que o motivou a escrever para esse público?
Em 2012, ao ser convidado por uma editora a escrever um livro para jovens, percebi a enorme carência de obras para essa enorme faixa etária, que vai dos 12 aos 25 anos. Eu diria que a maior parte da população é jovem ou será jovem nos próxima década – como não atender com obras de qualidade, sérias, que não infantilizem o diálogo com os jovens? O livro provavelmente seja útil como paradidático, afinal muitas obras didáticas estão profundamente defasadas em relação à Amazônia, dada a enorme destruição que seus povos estão sofrendo.
Bem, aquela editora que me convidou a escrever desistiu da obra, mas eu preparei o livro. Por nove anos, tentei diversas editoras especializadas e, nada. Com esta importantíssima lei para a cultura, a Lei Aldir Blanc, consegui inscrever o livro e ser aceito, o que permitiu custear o artista da capa, um abridor de letras de Barcarena, Waldemir Furtado, adquirir uma imagem de Oswaldo Maricato, fotógrafo que compartilhou uma aventura comigo na região, a revisão de Maria da Graça Ferreira Leal, o design e a diagramação de Yuri Nagamine e demais custos de registro da obra.
É para esse público que a nossa geração adulta deixará a Amazônia –conservada ou destruída. A ideia é que os jovens pressionem cada vez mais os tomadores de decisão?
O nome da obra diz tudo – nós, somente nós, somos os responsáveis pelo que se passa na Amazônia, seja como consumidores, seja exercendo um voto de má qualidade, seja como empresários, servidores públicos, políticos, pais, mães, enfim…
É fácil ficar acusando forças estrangeiras interessadas na Amazônia, empresários de fora etc. Isto é coisa de quem tem agendas ocultas e de ignorantes servis. Os jovens do Brasil e da Amazônia têm que tirar os maus políticos do caminho, esses que se instalam no poder como meio de vida, criam clãs para sugar o poder e deixar a população cada vez mais pobre.
Os jovens têm que decidir que modelo de desenvolvimento querem, que tipo de empresa deve atuar na região. E, nada de esperar, a hora é agora. As redes sociais estão aí.
Vejam o caso do boom comercial do açaí. Tudo bem que ele traga renda para os produtores rurais como nunca houve. Mas, como podemos aceitar que 100 mil jovens subam nos açaizeiros todos os dias, muitos deles crianças, e não tenham orientação necessária, equipamentos adequados, legislação trabalhista e previdenciária que os apoiem? É fácil tomar açaí numa esquina qualquer deste país e achar que está ajudando povos da floresta, mas, como ficam os jovens?
A hora da ação é agora. Temos que exigir dos governos responsabilidade para vigiar o açaí, o cacau, e principalmente as atividades altamente impactantes e que destroem a Amazônia para sempre, como o criminoso garimpo e a pecuária extensiva
O livro fala de uma viagem à Amazônia, ou seja, é voltada especialmente para o público que não vive nela? E quanto aos jovens amazônidas?
Não é verdade, o livro é para todos os jovens do Brasil. O amazônida, aquele que vive em um dos nove estados e 750 municípios da região mal conhece a própria região. Principalmente, porque estamos na ditadura da ignorância. A elite local faz questão de inviabilizar a educação pública diariamente. Eu fico abismado com a qualidade e a falta de interesse dos gestores municipais e estaduais pela educação de uma forma geral. O discurso é lindo, a prática é sofrível e pífia.
Claro que há exceções, mas a pior doença da Amazônia é a educação pública de péssima qualidade. Pará e Maranhão e, em verdade todos os estados da região disputam pelos piores indicadores educacionais do Brasil! Ao mesmo tempo, os jovens da Amazônia têm a oportunidade de compartilhar a sua interpretação sobre a região, que é muito própria, deles, sejam moradores de cidades, sejam do meio rural. A obra fala muito dos jovens em diferentes situações.
Os personagens são “de fora”, e, isto foi proposital, para trazer algum humor e discutir sobre estereótipos. Em Belém tem muita gente que não conhece o Marajó, que nunca visitou uma comunidade tradicional para ouvir as suas perspectivas. O livro provoca um pouco isto.
Quanto à minha perspectiva, eu que nasci fora da região, mas convivo com sua realidade há 52 anos e vivo nela há 16 anos, ela é diferente. Cada um tem uma Amazônia dentro de si!
Você é paulistano. O que o levou à Amazônia e qual foi a sua impressão ao chegar lá criança, aos nove anos?
Apesar de nascer e viver na cidade de São Paulo, durante boa parte de minha vida frequentei a região. Acompanhei meu pai em suas atividades empresariais na pecuária, no Araguaia, e depois na colonização privada em Juruena e Matupá, no norte de Mato Grosso. No início, como uma grande aventura de descoberta, pescarias, viagens de conhecimento, percorrendo seus rios e estradas assim que abertos. Visitei grandes projetos, Carajás Jari, assentamentos quando nasciam etc. Trabalhei em assentamentos privados na região.
Com o artista plástico Frans Krajcberg [1921-2017], em 1984, a minha visão sobre a região sofreu a maior reviravolta de minha vida. Desde então, sou um militante em organizações da sociedade civil, inicialmente a Fundação SOS Mata Atlântica, depois o Instituto de Ecoturismo do Brasil e, nas duas últimas décadas, no Instituto Peabiru, com sede no Pará.
Aquele passeio noturno de canoa no Rio Tapirapé aos nove anos, em que o índio Paulo e eu, sozinhos, enfrentamos as águas turbulentas na escuridão íngreme, tornou-me um amazônida por opção…
E o que fez escolher essa região para morar e nela viver como um ativista?
Trabalhar com a questão amazônica de São Paulo fica bastante difícil, ainda que isto seja possível a alguns pesquisadores e consultores. Mas para quem decidiu estar próximo a seus principais públicos, povos e comunidades familiares, agricultores familiares, pequenas vilas e comunidades rurais em uma organização da sociedade civil, é preciso viver o dia a dia da região.
Assim, o Peabiru foi comigo para Belém em 2004, juntamente com a minha esposa, Fernanda Martins e meu enteado, Yuri Nagamine, e foi a mais acertada decisão de mudança de vida. No meu caso, escolhi esta maravilhosa cidade, que é Belém. E, diria que o Pará, um estado maior que muitas regiões do Brasil, maior que a Colômbia, tem desafios suficientes para muitas vidas.
A obra tem traços autobiográficos?
Havia escrito um primeiro livro sobre a Amazônia aos 24 anos, com suas 80 páginas. O segundo, uma expansão deste, aos 42, acho que bem conhecido, o Livro de Ouro da Amazônia, 450 páginas. E, assim que terminar nos próximos meses a biografia do Frans Krajcberg, que iniciei há 35 anos, vou preparar o novo livro-síntese sobre as problemáticas amazônicas.
Todos os livros são autobiográficos na medida que contam vivências indeléveis. Mas, o grande personagem nesta Viagem são os amazônidas, os artistas convidados, um tio e seus três sobrinhos, são apenas uma alegoria para tratar de algo muito sério – os jovens precisam tomar conta da Amazônia antes que os mais velhos a transformem em cinzas.
[Foto: Nicolas Rénac/ Flickr Creative Commons]