Durante seu mandato, a ex-presidente da Libéria e Prêmio Nobel da Paz, Ellen Johnson Sirleaf, afastou as empresas estrangeiras que exploravam ilegalmente os recursos minerais e madeireiros das florestas de seu país. Implementou um modelo de governança, garantindo o manejo sustentável dos recursos remanescentes. Diante dessa experiência, recomendou às lideranças amazônicas dialogar sempre com a juventude, o grupo etário de onde sairão futuros líderes. Às mulheres sem oportunidade de competir, incentivou que continuem lutando em suas comunidades
Por Magali Cabral, de Belém do Pará
“Belém é a porta de entrada da Amazônia. Dali é possível sentir a floresta pulsar, quase como um lembrete de que é preciso proteger esse ecossistema tão vital para o planeta”. Com uma homenagem à cidade que sediou a Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias 2024, a ex-presidente da Libéria e primeira mulher agraciada com o Prêmio Nobel da Paz, Ellen Johnson Sirleaf, 86 anos, abriu o último painel do evento, intitulado “Novas Economias: Construindo a Economia do Cuidado”, composto em sua totalidade por mulheres.
Se a Libéria ainda conserva mais de 4 milhões de hectares de florestas tropicais originais, muito se deve às medidas tomadas por Ellen Sirleaf durante o período em que esteve no poder, de 2006 a 2018. “Estou aqui não apenas como ex-presidente da Libéria, mas como alguém que passou pelo desafio de conter a extração descontrolada de recursos minerais e madeireiros e enfrentado os perigos que isso representava”, disse, atestando o seu conhecimento de causa para abordar o tema.
Madame presidente – título que gosta de ouvir anteposto ao seu nome – falou sobre o extrativismo desenfreado dizimou boa parte da vegetação nativa da Libéria e de outros países africanos, como o Congo. Atribuiu a degradação das florestas africanas sobretudo a indústrias madeireiras e práticas agrícolas não sustentáveis. Uma situação muito similar à existência de madeireiras e garimpeiros ilegais na Amazônia, com o agravante de que boa parte das indústrias exploradoras que agiam por lá eram estrangeiras.
Segundo ela, quando a ilegalidade ocupa um território, os recursos naturais, em vez de produzirem bem-estar para as comunidades locais, financiam conflitos. Uma vez exaurida a terra, resta apenas pobreza e uma aura de crime e violência.
Como presidente da Libéria, Ellen Sirleaf desenvolveu um modelo arrojado de governança para conservar as florestas do país que ainda estavam de pé e assegurar que os benefícios advindos da natureza fossem compartilhados com as comunidades locais.
Mas, até colher os resultados dessa iniciativa, precisou enfrentar, entre os muitos conflitos locais, as sanções internacionais impostas aos países que adotavam práticas insustentáveis na extração de recursos naturais. Ela explicou que o período das sanções foi um difícil, mas ajudou a legalizar o extrativismo com base em práticas mais sustentáveis.
“Como o setor florestal na África sempre esteve muito atrelado à exploração predatória, tivemos de construir uma relação de confiança com a comunidade internacional, garantindo que as receitas beneficiassem as pessoas certas”, disse. A ex-presidente afirmou ainda que essas práticas de governança hoje se estendem por vários países, entre o quais Gabão, Quênia, Tanzânia e Namíbia.
Soluções e recomendações
Ellen Sirleaf crê que a melhor ferramenta disponível atualmente para combater o desmatamento é o crédito de carbono. A proteção da floresta gera créditos que podem ser vendidos a países que não conseguiram proteger suas florestas, ou não têm muitas formas de redução de emissões de carbono. Para ela, o instrumento representa um ganha-ganha: “Ganham recursos econômicos aqueles que protegem a floresta; e ganham os países em desenvolvimento que precisam atingir seus objetivos climáticos”, afirmou, ressalvando que é preciso ficar atento a um possível movimento de especulação de terras florestadas.
Outra recomendação da líder africana é ouvir a juventude, grupo etário de onde sairão futuros líderes. Eles precisam ter em mente que a exportação de recursos naturais em forma de matéria-prima – isto é, sem processamento – gera muito menos riqueza para a população do que poderia.
Uma região como a Amazônia, rica em minerais estratégicos, precisa de indústrias que agreguem valor aos minérios brutos. Em sua opinião, essa atividade pode impulsionar a industrialização e a geração de emprego e renda. “Devemos investir em agregar valor aos minerais que extraímos. Isso significa construir a infraestrutura e as habilidades necessárias para refinar e processar minerais localmente, de modo que não estejamos simplesmente exportando recursos brutos, mas criando produtos acabados que possam obter preços mais altos”.
O momento é propício porque a transição energética depende de minerais como o lítio, o cobre, as terras-raras, entre outros. “Brasil e África podem ser líderes na extração desses minérios. No entanto, a forma como promoveremos essa produção determinarão se estamos criando futuro sustentável ou não”, afirmou.
Sobre racismo e preconceito
Questionada sobre como chegar ao plano da sustentabilidade se as mulheres negras ainda não participam das decisões, Sirleaf respondeu que sociedades segregadas, como as negras e as indígenas, fazem parte de todos os países. “Mas sempre conseguimos encontrar pontos que nos unem. Há líderes mesmo entre as comunidades segregadas”, disse.
Ela propôs às mulheres reconhecerem que detêm todas as qualidades dos homens. “Temos métodos diferentes para a solução de conflitos. Não temos poder, mas temos influência”. Diante de um mundo injusto, em que as mulheres não têm as oportunidades de competir, afirmou que a alternativa é continuarem lutando em suas comunidades. Outro caminho é aprimorar o conhecimento, para que as mulheres cada vez mais possam agir e conquistar espaços por meio de excelência.
Quando apresentada a dados sobre a concentração de riqueza e poder global na mão de homens, respondeu: “As coisas estão mudando e os jovens estão exigindo igualdade. Isso não acontece do dia para a noite, mas não vamos desistir. Não queremos esmola, queremos apenas o direito de competir. Os bilionários detêm os dólares, mas verão que dólares não resolvem todos os problemas do mundo e um dia reconhecerão a necessidade de igualdade”.