E se pudéssemos entrar como uma mosca dentro das salas de reunião em que os executivos das maiores empresas de alimentos e bebidas do mundo decidem como vão conquistar o paladar dos consumidores no próximo ano? É mais ou menos essa a oportunidade que o jornalista Michael Moss nos oferece com o livro Salt Sugar Fat: How the food giants hooked us (ou Sal Açúcar Gordura: Como os gigantes dos alimentos nos fisgaram, em tradução literal).
São cerca de 400 páginas de informações extraídas de documentos e entrevistas com gente que participou diretamente da criação de alguns dos produtos mais bem-sucedidos dessa indústria nos Estados Unidos. Como os cientistas que pesquisam qual a quantidade ideal de açúcar em cada produto para causar a sensação máxima de prazer, apelidada de bliss point. Ou o criador de uma refeição empacotada para crianças feita de bolachas, queijo barato, carne processada e nenhum alimento fresco, recheada de sódio e gordura. Ou o precursor da tendência de fabricar alimentos cada vez mais práticos – e cheios de aditivos – para liberar as mulheres da demorada tarefa de cozinhar.
Tudo isso em meio à epidemia de obesidade e às evidências, internamente reconhecidas pelos executivos dessa indústria, de que o modo como essas invenções têm sido promovidas é um grande responsável pelo sobrepeso e outros problemas de saúde.
Seu livro fala sobre a fissura que os alimentos doces, salgados e gordurosos criados pela indústria nos causam. E a indústria de alimentos geralmente diz que seu trabalho é entregar às pessoas o que elas querem. Essa lógica está errada? A indústria deveria oferecer algo diferente daquilo que as pessoas desejam e, talvez, vender menos?
Nós ficamos habituados a alimentos com altos níveis de sal, açúcar e gordura, muito práticos, que não precisam de muito preparo e que são mais baratos do que frutas e verduras. A questão é como passaremos do ponto em que estamos para aquele em que as nutricionistas dizem que deveríamos estar, o que inclui comer o dobro de frutas e verduras que comemos hoje. É difícil.
Parte da resposta virá da indústria de alimentos, porque ela é, em grande medida, responsável por estarmos nessa situação. Quando eles dizem que já nos oferecem produtos com baixos teores de açúcar ou gordura, o problema é que esses produtos estão tipicamente posicionados na prateleira ao lado dos cheios de açúcar e gordura, que são os que ganham prioridade na própria prateleira e nos investimentos em publicidade. São esses os produtos que estamos habituados a comprar. As vendas dos produtos mais saudáveis nem se comparam.
Essas empresas competem muito pelo espaço na gôndola, e o fato é que elas estão tão fortemente atraídas pelo lucro quanto nós estamos pelos produtos delas. Wall Street é um grande norteador das decisões da indústria. Quando a indústria tentou fazer a coisa certa pela saúde do consumidor, ela se deu mal. Ficou evidente o quanto as empresas dependem de sal, açúcar e gordura. Mal as vendas começam a se estabilizar – nem mesmo precisam cair –, ou o espaço na prateleira passa a ser ocupado por marcas concorrentes, os acionistas já começam a gritar. E aí, em muitos casos, os fabricantes acabam colocando de volta o sal, o açúcar e a gordura que haviam tentado eliminar (leia mais sobre o excesso de açúcar e a responsabilidade das empresas).
Então, não só os consumidores, mas o lucro da indústria está viciado em sal, açúcar e gordura?
Sim. Uma das maiores surpresas para mim durante a pesquisa para este livro, que foi quase como um trabalho de detetive, foi descobrir que a indústria está ainda mais fisgada por altas quantidades de sal, açúcar e gordura do que as pessoas. Se você está atrás de uma solução, talvez deva pensar na hipótese de uma intervenção estatal. Gostei quando Geoffrey Bible, ex-CEO da Philip Morris, me disse: “Olha, Michael, eu não sou fã das regulações, mas me parece que a indústria de alimentos poderia receber a regulação em benefício próprio. Com novas regras, com limites para o açúcar e o sal, ela poderia reformular seus produtos e nos dar tempo para nos adaptar às novas formulações, sem ter de ouvir Wall Street gritando que ela está louca”.
Segundo o que o senhor conta no livro, nosso corpo parece ter sido feito para gostar desses ingredientes. Como deveríamos lidar com isso?
Pois é, existe essa grande desconexão. Nossas papilas gustativas se desenvolveram enquanto nossa espécie evoluía na África. Como precisávamos de energia para sobreviver, as papilas tinham a função de detectar os alimentos mais energéticos e o cérebro tinha de enviar mais sinais de prazer quando comíamos alimentos doces e gordurosos. De um século para cá, e mais intensamente há 30 anos, esse tipo de comida deixou de ser escasso; ao contrário, está em todos os lugares, muito barato e promovido com um marketing fortíssimo. Então, antes, o acesso a esses alimentos era algo que exigia um esforço, o que por si só nos impunha limites. Agora, para muitas pessoas, se não para a maioria, é muito fácil de obter. Mas nosso corpo continua funcionando da mesma forma, não está equipado para lidar com essa sobrecarga de comida barata e irresistível.
Existe outra forma de agradar ao nosso paladar na mesma intensidade? Ou a saída é não nos agradarmos tanto?
Qualquer um que vá ao médico com problemas de pressão alta, especialmente idosos, sabe que, depois de seis semanas sem comer alimentos salgados, ir ao supermercado fica difícil, diante da quantidade de alimentos ricos em sal nos corredores. Em apenas seis semanas, o prazer que essas pessoas tinham ao comer alimentos salgados vai embora. Nós nem sequer nascemos gostando de sal; isso só acontece lá pelo sexto mês de idade. Estudos recentes mostram que alimentos processados influenciam muito na nossa vontade de comer sal. Crianças acostumadas a comer alimentos industrializados têm maior tendência a lamber o saleiro de casa na fase pré-escolar.
Com o açúcar é mais complicado. Agora que temos essa expectativa de sentir o sabor doce em quase tudo que comemos, é mais difícil nos dirigirmos até a seção de hortifrúti para comprar brócolis, que tem notas amargas. Mas é possível. Muita gente me conta que parou de comer comida processada e passou a gostar bem mais de alimentos frescos e integrais. Eu não estou defendendo que eliminemos a comida processada de nossas vidas; eu mesmo não sou capaz de fazer isso. Eu e minha mulher trabalhamos fora de casa, temos dois filhos e nossas manhãs são aquela loucura. Nós não podemos cozinhar comida do zero o tempo todo. Acho que é mais o caso de assumir maior controle sobre o consumo de processados, em vez de deixar que esses produtos nos controlem. E nos dar tempo para readaptar o paladar à comida de verdade. Meus filhos antes só comiam pão “branco-alvejante” e hoje comem pão integral numa boa, gostando.
Parece o alerta que nos fazem sobre as drogas: “O efeito inicial é agradável, mas, uma vez dentro, pode ser difícil sair”.
É pior. Foi o que me disse Nora Volkow, neurocientista, diretora do National Institute on Drug Abuse e tataraneta de Leon Trotski. Tendo estudado como o cérebro responde a narcóticos e a alimentos, ela está convencida de que os alimentos mais doces e gordurosos podem fazer muita gente comer demais, assim como o uso de narcóticos pode induzir ao abuso de drogas. No caso da comida, sair do vício é mais difícil, segundo ela, porque ninguém pode viver sem comer. Então não adianta tentar largar o vício comendo só um ou dois biscoitos recheados. Não dá para se controlar desse jeito. O que ela propõe é evitar de vez os produtos mais irresistíveis.
O doutor Kelly Brownell, especialista em obesidade de Yale, chama as grandes corporações de alimentos de Big Food, em uma comparação ao Big Tobacco, como ficaram conhecidas as empresas de cigarros com seus planos para viciar os clientes com nicotina. O senhor acredita que, no caso dos alimentos, existe uma conspiração para nos viciar?
Eu escrevi sobre a indústria do tabaco no livro, mas não uso muito a palavra “vício”. Nem é necessário. Quando a indústria de alimentos fala sobre maximizar a atratividade, a sedução de seus produtos, ela usa termos como snack-ability, crave-ability ou more-ishness, uma das minhas preferidas (neologismos que ao pé da letra poderiam ser traduzidos como “petiscabilidade”,“fissurabilidade” e “maisice” – a capacidade de “querer mais”). Sendo isso inglês ou não, são termos oficiais dos químicos e CEOs do marketing para o que todas as empresas do setor fazem, que é ganhar o máximo possível de dinheiro vendendo o máximo possível de seus produtos.
Eu não os vejo como um império do mal que intencionalmente tratou de nos tornar obesos. A questão é se eles ficaram tão bons nisso, ainda que subconscientemente, que os produtos que eles criam nos forçam a comer demais. Mas isso é muito difícil de atribuir a eles. Afinal, como eles mesmos dizem, ninguém baseia sua dieta em biscoito recheado. O que conta é todo o universo de alimentos processados a nossa volta, e isso os torna muito diferentes da indústria do tabaco. Diante de um júri, um caso envolvendo tabaco diz respeito a pessoas que fumam. Mas, se você apresenta um processo contra a Kraft por causa do biscoito Oreo, a primeira defesa será a pergunta: “Como você sabe que foi o Oreo que causou a obesidade e não todo o resto de produtos que essas pessoas estão comendo?”
A conexão com o tabaco que acho interessante é a que descrevo no livro: a maior empresa de tabaco, a Philip Morris, tornou-se a maior fabricante de alimentos dos Estados Unidos nos anos 1980, quando comprou a General Foods, e depois a Kraft. Por duas décadas, os executivos do tabaco fizeram o que se esperava deles, que era cobrar do pessoal dos alimentos um jeito de vender mais. Mas, no fim dos anos 1990, a Philip Morris foi a primeira empresa de tabaco a apoiar a regulação do setor pelo governo, cedendo à pressão dos consumidores, dos advogados e do próprio governo. Então eles alertaram o pessoal de alimentos de que, por conta do sal, do açúcar, da gordura e da obesidade, uma pressão muito maior estava por recair sobre eles do que a movida por conta da nicotina. Para mim, esse foi um momento incrível.
Olhando para 50 anos atrás, e considerando todas as inovações que a ciência dos alimentos trouxe para a realidade, o senhor considera nosso ambiente alimentar hoje menos saudável?
Nossa dependência de alimentos processados aumentou incrivelmente. As pessoas hoje preparam a própria comida com menos frequência e muitas vezes beliscam em vez de fazer uma refeição completa, criando o que os cientistas da nutrição chamam de um “comer desatento”. Podemos comer com uma só mão, sem prestar atenção, deixando o cérebro fora da equação, e isso facilita que a gente coma além da conta. Essas mudanças, sem dúvida, contribuíram muito para a epidemia de obesidade.
Seu livro relata o esforço da indústria, a partir dos anos 1940, para criar alimentos práticos, de conveniência, o que teria facilitado a vida das pessoas, especialmente das mulheres que entraram no mercado de trabalho. Afinal, a conveniência na alimentação atrapalha mais do que ajuda?
O custo da conveniência é esse comer desatento. Para cozinhar, é preciso envolver o cérebro na atividade, desacelerar. Os alimentos mais práticos são os que duram mais na prateleira, e são esses que contêm maiores teores de sal e açúcar, que são conservantes naturais. Mas a indústria supervaloriza essa praticidade.
Dá para quebrar essa nossa dependência dos alimentos processados, dá para cozinhar sem gastar muito tempo. Molhos para massas, por exemplo. É prático comprar um vidro de molho pronto e apenas abrir a tampa e jogar dentro da panela, mas é muito provável que esse molho tenha boas doses de sal e açúcar adicionadas. Por outro lado, você pode comprar uma lata de tomates pelados, refogar com azeite, alho e cebola e adicionar apenas a quantidade de sal e açúcar que você julgar necessária. A diferença é que neste caso você está no controle, e o gasto de tempo não será assim tão maior. Há diversos preparos na cozinha quase tão rápidos quanto usar o produto pronto.
Hoje temos informações nutricionais nos rótulos e os meios de comunicação falam de nutrição o tempo todo. Na sua opinião, os consumidores estão suficientemente informados para escolher alimentos mais saudáveis?
Sim e não. Ainda falta uma informação importante nos rótulos, que é a indicação do limite de açúcar que deveríamos consumir em um dia. E é complicado porque parte do açúcar já pertence aos alimentos, como o açúcar das frutas, e parte é adicionada.
E a ciência diz que o máximo recomendado varia para cada pessoa. De todo modo, acredito que seja possível estabelecer um limite. E ainda que tenhamos a mídia e as inscrições minúsculas nos rótulos nos informando sobre nutrição, essa informação disputa atenção com a enorme quantidade de publicidade a que estamos expostos na TV e com as inscrições gigantes na frente das embalagens, que estão direcionadas a nos fazer consumir um monte de produtos não muito saudáveis. É difícil driblar todo esse marketing. Muitos produtos agora destacam na frente da embalagem a presença de fruta, mas a tal fruta não passa de mais açúcar na forma de suco. Embora pareça que temos mais informação, ela acaba soterrada pelo marketing.
O senhor tem alguma sugestão para resolver isso?
O governo americano pediu que as empresas limitassem sua publicidade, especialmente a direcionada às crianças, mas não impôs um limite. E isso teve um efeito mínimo. Acho que foi Michelle Obama quem disse que 86% da publicidade de alimentos ainda envolve produtos com muito sal, açúcar e gordura (confira aqui). Quer dizer, a menos que a indústria decida limitar a si própria, não vejo outra solução senão uma medida imposta pelo governo. Outro cenário é que o público passe a exigir alimentos mais saudáveis e pare de comprar os não saudáveis.
Aí eu acredito que as empresas reagirão. Até porque nesse cenário Wall Street gritará com as empresas para que elas não mais adicionem tanto sal, açúcar e gordura aos seus produtos e criem opções mais saudáveis. E, já que os cientistas contratados pela indústria são gênios que criam qualquer coisa, as empresas pedirão a eles que reformulem seus produtos, e então o marketing pesado passará a promover as novas formulações. Eu realmente acredito que a demanda tem de ser o motor dessa mudança. Agora… como conseguir que as pessoas exijam alimentos mais saudáveis?
Quem o senhor acha que deveria se responsabilizar por educar o público a comer melhor?
Eu diria que, já que os gigantes dos alimentos nos tornaram tão presos aos seus produtos, já que eles gastam tanto dinheiro fazendo marketing para seus itens menos saudáveis, eles deveriam começar a bancar essa educação para mudar a situação. Eles dirão que não têm dinheiro para isso, então deveríamos nos perguntar qual porção do lucro dessas empresas deveria ser redirecionada para criar essa nova educação do público. E é claro que devemos nos perguntar também que tipo de educação deverá ser essa. Acho que todo mundo já sabe que não adianta sair pregando que frutas e verduras são saudáveis. As pessoas não respondem a esse tipo de mensagem comprando mais frutas e verduras. O governo tenta isso há anos. Não funciona. Também não podemos pregar para as crianças na escola do jeito que os cursos de economia doméstica faziam nos anos 1950.
Mas podemos trazer a questão da comida para as crianças em uma abordagem mais política. Por exemplo, nos Estados Unidos há universidades adotando meu livro como leitura obrigatória para todos os alunos ingressantes. Inicialmente até tive dó dos alunos por terem de ler o livro no verão, mas me disseram que ele gostam, porque não é um livro sobre comida, mas sobre poder e corporações multinacionais tentando influenciar seus hábitos. É sobre a habilidade deles de enfrentar isso, e os jovens adoram ver o mundo dessa forma. Acho que os adultos também.
Recentemente, o senhor publicou um artigo na revista do New York Times contando que pediu à indústria para criar uma campanha voltada para promover o brócolis. A solução estaria em uma comunicação mais criativa para os alimentos saudáveis?
A história começa assim: o que os gigantes dos alimentos fariam se, de uma hora para outra, tivessem de vender frutas e hortaliças frescas? Eles provavelmente pediriam às suas agências de propaganda que encontrassem um jeito de acionar o “botão emocional” dos consumidores em relação a esses alimentos, da mesma forma que eles acionam o botão emocional em relação a guloseimas. Esse ótimo slogan do chocolate Snickers, da Mars, “não deixe a fome te pegar” (no Brasil, simplificado para “Mata sua fome”), é tão poderoso e típico da indústria de alimentos.
Eles nos fazem comer não porque estamos com fome realmente, mas por razões emocionais. Então perguntei a uma empresa o que ela faria para vender brócolis, e ela criou uma campanha fictícia. Mas, para saber se funcionaria, ela teria de ser testada em algumas cidades, com um gasto de alguns milhões de dólares. Eu não podia pagar a agência para testar isso, então ficamos sem saber se daria certo.
O senhor conta no livro que um ex-executivo da Coca-Cola mudou de ramo e transformou o marketing de uma marca de cenouras baby ao colocá-las dentro de embalagens brilhantes, ao lado dos salgadinhos, com o slogan “Coma como se fosse junk food”. Há outros casos de sucesso no setor de hortifrúti?
Também houve uma grande publicidade para o abacate e para amêndoas, que resultou em um aumento nas vendas. Mas nenhum foi tão criativo quanto o das cenouras. A campanha das cenouras funcionou bem nos dois mercados em que foi testada. Eu escolhi o brócolis porque ele era um dos vegetais mais difíceis de promover. Ninguém é apaixonado por brócolis.
As pessoas mais importantes que o senhor entrevistou para o livro são cientistas e executivos de dentro da indústria de alimentos. Como conseguiu que eles falassem?
Os documentos que eu tinha em mãos foram fundamentais…
Documentos relacionados às ações contra a indústria do tabaco?
Em grande parte. Além disso, a indústria de alimentos adora ganhar prêmios e, para concorrer a eles, tem de contar em detalhes por que merece o prêmio. Esses relatos incluem informações que jamais abririam em outras circunstâncias. Eu tive acesso a esses relatórios. Foram esses documentos que me revelaram como a indústria estava criando e promovendo seus produtos e quem eram os principais tomadores de decisão nessas empresas. Não são nomes que costumam aparecer nos jornais. Tendo os nomes, pude procurar essas pessoas e pedir que me contassem a história completa. Como eu iria escrever sobre o assunto de qualquer forma, eles acharam que valia a pena falar. Quer dizer, eles poderiam preferir que eu não existisse, mas me parece que eles entenderam que fui justo na minha abordagem. Depois, até recebi convites. Uma das coisas mais interessantes foi a Kellogg’s me chamar para mostrar por que não podia abrir mão do sal em seus cereais matinais: eles ficariam intragáveis.
Além de relatar segredos, eles se abriram sobre como se sentem em relação a suas criações. Houve quem se arrependesse. Eles não pensaram antes nas consequência de seu trabalho?
Houve quem me dissesse mais ou menos o seguinte. “Quando criamos esses produtos, não pretendíamos que fossem consumidos de hora em hora ou todos os dias. Era para ser um consumo ocasional, mas a dependência desses alimentos aumentou de forma dramática.” Jeffrey Dunn, o ex-presidente da Coca-Cola, me disse que, naquela posição, ele estava em uma tal guerra contra a concorrência que não dava tempo para refletir sobre as consequências. Somente depois de sair da empresa é que ele veio a pensar sobre o que havia feito, e hoje, com as cenouras, diz que está pagando seu carma. Isso faz sentido para mim. De novo, não vejo essas pessoas como “do mal”. Eu as vejo absorvidas pelo sistema da indústria de processados, que é um grande poder ganhando espaço. Meu propósito com o livro não foi culpar ninguém, mas explicar como as coisas acontecem.
E como fica sua relação com as fontes depois da publicação do livro?
Algumas empresas não querem falar comigo. Mas o livro parece ter funcionado como um alerta para a própria indústria.
Acontece, no fim de palestras que dou, de alguém vir conversar comigo e dizer coisas do tipo: “Eu trabalho para a empresa XYZ e não podemos dizer isso em público, mas estamos torcendo por você. Queremos tentar fazer a coisa certa”.
Para terminar, uma pergunta mais pessoal. Quais alimentos processados o senhor compra sem preocupação?
Batata frita de pacote. Adoro. Também compramos pizza congelada de vez em quando, naquelas noites de correria, quando não dá tempo de cozinhar. Compramos feijão em lata, tortilhas prontas, queijos, algumas carnes pouco processadas. Eu não evito tudo que é processado, nem mesmo o que é altamente processado. Mas devo dizer que, depois de escrever o livro, eu me sinto mais empoderado a não comer demais. Quando abro o saco de batatas fritas, eu me lembro dos cientistas que ajudaram a inventá-las, e então posso comer só um pouco.
É como se o senhor decidisse não deixar esses caras decidirem por você…
Exatamente.[:en]
E se pudéssemos entrar como uma mosca dentro das salas de reunião em que os executivos das maiores empresas de alimentos e bebidas do mundo decidem como vão conquistar o paladar dos consumidores no próximo ano? É mais ou menos essa a oportunidade que o jornalista Michael Moss nos oferece com o livro Salt Sugar Fat: How the food giants hooked us (ou Sal Açúcar Gordura: Como os gigantes dos alimentos nos fisgaram, em tradução literal).
São cerca de 400 páginas de informações extraídas de documentos e entrevistas com gente que participou diretamente da criação de alguns dos produtos mais bem-sucedidos dessa indústria nos Estados Unidos. Como os cientistas que pesquisam qual a quantidade ideal de açúcar em cada produto para causar a sensação máxima de prazer, apelidada de bliss point. Ou o criador de uma refeição empacotada para crianças feita de bolachas, queijo barato, carne processada e nenhum alimento fresco, recheada de sódio e gordura. Ou o precursor da tendência de fabricar alimentos cada vez mais práticos – e cheios de aditivos – para liberar as mulheres da demorada tarefa de cozinhar.
Tudo isso em meio à epidemia de obesidade e às evidências, internamente reconhecidas pelos executivos dessa indústria, de que o modo como essas invenções têm sido promovidas é um grande responsável pelo sobrepeso e outros problemas de saúde.
Seu livro fala sobre a fissura que os alimentos doces, salgados e gordurosos criados pela indústria nos causam. E a indústria de alimentos geralmente diz que seu trabalho é entregar às pessoas o que elas querem. Essa lógica está errada? A indústria deveria oferecer algo diferente daquilo que as pessoas desejam e, talvez, vender menos?
Nós ficamos habituados a alimentos com altos níveis de sal, açúcar e gordura, muito práticos, que não precisam de muito preparo e que são mais baratos do que frutas e verduras. A questão é como passaremos do ponto em que estamos para aquele em que as nutricionistas dizem que deveríamos estar, o que inclui comer o dobro de frutas e verduras que comemos hoje. É difícil.
Parte da resposta virá da indústria de alimentos, porque ela é, em grande medida, responsável por estarmos nessa situação. Quando eles dizem que já nos oferecem produtos com baixos teores de açúcar ou gordura, o problema é que esses produtos estão tipicamente posicionados na prateleira ao lado dos cheios de açúcar e gordura, que são os que ganham prioridade na própria prateleira e nos investimentos em publicidade. São esses os produtos que estamos habituados a comprar. As vendas dos produtos mais saudáveis nem se comparam.
Essas empresas competem muito pelo espaço na gôndola, e o fato é que elas estão tão fortemente atraídas pelo lucro quanto nós estamos pelos produtos delas. Wall Street é um grande norteador das decisões da indústria. Quando a indústria tentou fazer a coisa certa pela saúde do consumidor, ela se deu mal. Ficou evidente o quanto as empresas dependem de sal, açúcar e gordura. Mal as vendas começam a se estabilizar – nem mesmo precisam cair –, ou o espaço na prateleira passa a ser ocupado por marcas concorrentes, os acionistas já começam a gritar. E aí, em muitos casos, os fabricantes acabam colocando de volta o sal, o açúcar e a gordura que haviam tentado eliminar (leia mais sobre o excesso de açúcar e a responsabilidade das empresas).
Então, não só os consumidores, mas o lucro da indústria está viciado em sal, açúcar e gordura?
Sim. Uma das maiores surpresas para mim durante a pesquisa para este livro, que foi quase como um trabalho de detetive, foi descobrir que a indústria está ainda mais fisgada por altas quantidades de sal, açúcar e gordura do que as pessoas. Se você está atrás de uma solução, talvez deva pensar na hipótese de uma intervenção estatal. Gostei quando Geoffrey Bible, ex-CEO da Philip Morris, me disse: “Olha, Michael, eu não sou fã das regulações, mas me parece que a indústria de alimentos poderia receber a regulação em benefício próprio. Com novas regras, com limites para o açúcar e o sal, ela poderia reformular seus produtos e nos dar tempo para nos adaptar às novas formulações, sem ter de ouvir Wall Street gritando que ela está louca”.
Segundo o que o senhor conta no livro, nosso corpo parece ter sido feito para gostar desses ingredientes. Como deveríamos lidar com isso?
Pois é, existe essa grande desconexão. Nossas papilas gustativas se desenvolveram enquanto nossa espécie evoluía na África. Como precisávamos de energia para sobreviver, as papilas tinham a função de detectar os alimentos mais energéticos e o cérebro tinha de enviar mais sinais de prazer quando comíamos alimentos doces e gordurosos. De um século para cá, e mais intensamente há 30 anos, esse tipo de comida deixou de ser escasso; ao contrário, está em todos os lugares, muito barato e promovido com um marketing fortíssimo. Então, antes, o acesso a esses alimentos era algo que exigia um esforço, o que por si só nos impunha limites. Agora, para muitas pessoas, se não para a maioria, é muito fácil de obter. Mas nosso corpo continua funcionando da mesma forma, não está equipado para lidar com essa sobrecarga de comida barata e irresistível.
Existe outra forma de agradar ao nosso paladar na mesma intensidade? Ou a saída é não nos agradarmos tanto?
Qualquer um que vá ao médico com problemas de pressão alta, especialmente idosos, sabe que, depois de seis semanas sem comer alimentos salgados, ir ao supermercado fica difícil, diante da quantidade de alimentos ricos em sal nos corredores. Em apenas seis semanas, o prazer que essas pessoas tinham ao comer alimentos salgados vai embora. Nós nem sequer nascemos gostando de sal; isso só acontece lá pelo sexto mês de idade. Estudos recentes mostram que alimentos processados influenciam muito na nossa vontade de comer sal. Crianças acostumadas a comer alimentos industrializados têm maior tendência a lamber o saleiro de casa na fase pré-escolar.
Com o açúcar é mais complicado. Agora que temos essa expectativa de sentir o sabor doce em quase tudo que comemos, é mais difícil nos dirigirmos até a seção de hortifrúti para comprar brócolis, que tem notas amargas. Mas é possível. Muita gente me conta que parou de comer comida processada e passou a gostar bem mais de alimentos frescos e integrais. Eu não estou defendendo que eliminemos a comida processada de nossas vidas; eu mesmo não sou capaz de fazer isso. Eu e minha mulher trabalhamos fora de casa, temos dois filhos e nossas manhãs são aquela loucura. Nós não podemos cozinhar comida do zero o tempo todo. Acho que é mais o caso de assumir maior controle sobre o consumo de processados, em vez de deixar que esses produtos nos controlem. E nos dar tempo para readaptar o paladar à comida de verdade. Meus filhos antes só comiam pão “branco-alvejante” e hoje comem pão integral numa boa, gostando.
Parece o alerta que nos fazem sobre as drogas: “O efeito inicial é agradável, mas, uma vez dentro, pode ser difícil sair”.
É pior. Foi o que me disse Nora Volkow, neurocientista, diretora do National Institute on Drug Abuse e tataraneta de Leon Trotski. Tendo estudado como o cérebro responde a narcóticos e a alimentos, ela está convencida de que os alimentos mais doces e gordurosos podem fazer muita gente comer demais, assim como o uso de narcóticos pode induzir ao abuso de drogas. No caso da comida, sair do vício é mais difícil, segundo ela, porque ninguém pode viver sem comer. Então não adianta tentar largar o vício comendo só um ou dois biscoitos recheados. Não dá para se controlar desse jeito. O que ela propõe é evitar de vez os produtos mais irresistíveis.
O doutor Kelly Brownell, especialista em obesidade de Yale, chama as grandes corporações de alimentos de Big Food, em uma comparação ao Big Tobacco, como ficaram conhecidas as empresas de cigarros com seus planos para viciar os clientes com nicotina. O senhor acredita que, no caso dos alimentos, existe uma conspiração para nos viciar?
Eu escrevi sobre a indústria do tabaco no livro, mas não uso muito a palavra “vício”. Nem é necessário. Quando a indústria de alimentos fala sobre maximizar a atratividade, a sedução de seus produtos, ela usa termos como snack-ability, crave-ability ou more-ishness, uma das minhas preferidas (neologismos que ao pé da letra poderiam ser traduzidos como “petiscabilidade”,“fissurabilidade” e “maisice” – a capacidade de “querer mais”). Sendo isso inglês ou não, são termos oficiais dos químicos e CEOs do marketing para o que todas as empresas do setor fazem, que é ganhar o máximo possível de dinheiro vendendo o máximo possível de seus produtos.
Eu não os vejo como um império do mal que intencionalmente tratou de nos tornar obesos. A questão é se eles ficaram tão bons nisso, ainda que subconscientemente, que os produtos que eles criam nos forçam a comer demais. Mas isso é muito difícil de atribuir a eles. Afinal, como eles mesmos dizem, ninguém baseia sua dieta em biscoito recheado. O que conta é todo o universo de alimentos processados a nossa volta, e isso os torna muito diferentes da indústria do tabaco. Diante de um júri, um caso envolvendo tabaco diz respeito a pessoas que fumam. Mas, se você apresenta um processo contra a Kraft por causa do biscoito Oreo, a primeira defesa será a pergunta: “Como você sabe que foi o Oreo que causou a obesidade e não todo o resto de produtos que essas pessoas estão comendo?”
A conexão com o tabaco que acho interessante é a que descrevo no livro: a maior empresa de tabaco, a Philip Morris, tornou-se a maior fabricante de alimentos dos Estados Unidos nos anos 1980, quando comprou a General Foods, e depois a Kraft. Por duas décadas, os executivos do tabaco fizeram o que se esperava deles, que era cobrar do pessoal dos alimentos um jeito de vender mais. Mas, no fim dos anos 1990, a Philip Morris foi a primeira empresa de tabaco a apoiar a regulação do setor pelo governo, cedendo à pressão dos consumidores, dos advogados e do próprio governo. Então eles alertaram o pessoal de alimentos de que, por conta do sal, do açúcar, da gordura e da obesidade, uma pressão muito maior estava por recair sobre eles do que a movida por conta da nicotina. Para mim, esse foi um momento incrível.
Olhando para 50 anos atrás, e considerando todas as inovações que a ciência dos alimentos trouxe para a realidade, o senhor considera nosso ambiente alimentar hoje menos saudável?
Nossa dependência de alimentos processados aumentou incrivelmente. As pessoas hoje preparam a própria comida com menos frequência e muitas vezes beliscam em vez de fazer uma refeição completa, criando o que os cientistas da nutrição chamam de um “comer desatento”. Podemos comer com uma só mão, sem prestar atenção, deixando o cérebro fora da equação, e isso facilita que a gente coma além da conta. Essas mudanças, sem dúvida, contribuíram muito para a epidemia de obesidade.
Seu livro relata o esforço da indústria, a partir dos anos 1940, para criar alimentos práticos, de conveniência, o que teria facilitado a vida das pessoas, especialmente das mulheres que entraram no mercado de trabalho. Afinal, a conveniência na alimentação atrapalha mais do que ajuda?
O custo da conveniência é esse comer desatento. Para cozinhar, é preciso envolver o cérebro na atividade, desacelerar. Os alimentos mais práticos são os que duram mais na prateleira, e são esses que contêm maiores teores de sal e açúcar, que são conservantes naturais. Mas a indústria supervaloriza essa praticidade.
Dá para quebrar essa nossa dependência dos alimentos processados, dá para cozinhar sem gastar muito tempo. Molhos para massas, por exemplo. É prático comprar um vidro de molho pronto e apenas abrir a tampa e jogar dentro da panela, mas é muito provável que esse molho tenha boas doses de sal e açúcar adicionadas. Por outro lado, você pode comprar uma lata de tomates pelados, refogar com azeite, alho e cebola e adicionar apenas a quantidade de sal e açúcar que você julgar necessária. A diferença é que neste caso você está no controle, e o gasto de tempo não será assim tão maior. Há diversos preparos na cozinha quase tão rápidos quanto usar o produto pronto.
Hoje temos informações nutricionais nos rótulos e os meios de comunicação falam de nutrição o tempo todo. Na sua opinião, os consumidores estão suficientemente informados para escolher alimentos mais saudáveis?
Sim e não. Ainda falta uma informação importante nos rótulos, que é a indicação do limite de açúcar que deveríamos consumir em um dia. E é complicado porque parte do açúcar já pertence aos alimentos, como o açúcar das frutas, e parte é adicionada.
E a ciência diz que o máximo recomendado varia para cada pessoa. De todo modo, acredito que seja possível estabelecer um limite. E ainda que tenhamos a mídia e as inscrições minúsculas nos rótulos nos informando sobre nutrição, essa informação disputa atenção com a enorme quantidade de publicidade a que estamos expostos na TV e com as inscrições gigantes na frente das embalagens, que estão direcionadas a nos fazer consumir um monte de produtos não muito saudáveis. É difícil driblar todo esse marketing. Muitos produtos agora destacam na frente da embalagem a presença de fruta, mas a tal fruta não passa de mais açúcar na forma de suco. Embora pareça que temos mais informação, ela acaba soterrada pelo marketing.
O senhor tem alguma sugestão para resolver isso?
O governo americano pediu que as empresas limitassem sua publicidade, especialmente a direcionada às crianças, mas não impôs um limite. E isso teve um efeito mínimo. Acho que foi Michelle Obama quem disse que 86% da publicidade de alimentos ainda envolve produtos com muito sal, açúcar e gordura (confira aqui). Quer dizer, a menos que a indústria decida limitar a si própria, não vejo outra solução senão uma medida imposta pelo governo. Outro cenário é que o público passe a exigir alimentos mais saudáveis e pare de comprar os não saudáveis.
Aí eu acredito que as empresas reagirão. Até porque nesse cenário Wall Street gritará com as empresas para que elas não mais adicionem tanto sal, açúcar e gordura aos seus produtos e criem opções mais saudáveis. E, já que os cientistas contratados pela indústria são gênios que criam qualquer coisa, as empresas pedirão a eles que reformulem seus produtos, e então o marketing pesado passará a promover as novas formulações. Eu realmente acredito que a demanda tem de ser o motor dessa mudança. Agora… como conseguir que as pessoas exijam alimentos mais saudáveis?
Quem o senhor acha que deveria se responsabilizar por educar o público a comer melhor?
Eu diria que, já que os gigantes dos alimentos nos tornaram tão presos aos seus produtos, já que eles gastam tanto dinheiro fazendo marketing para seus itens menos saudáveis, eles deveriam começar a bancar essa educação para mudar a situação. Eles dirão que não têm dinheiro para isso, então deveríamos nos perguntar qual porção do lucro dessas empresas deveria ser redirecionada para criar essa nova educação do público. E é claro que devemos nos perguntar também que tipo de educação deverá ser essa. Acho que todo mundo já sabe que não adianta sair pregando que frutas e verduras são saudáveis. As pessoas não respondem a esse tipo de mensagem comprando mais frutas e verduras. O governo tenta isso há anos. Não funciona. Também não podemos pregar para as crianças na escola do jeito que os cursos de economia doméstica faziam nos anos 1950.
Mas podemos trazer a questão da comida para as crianças em uma abordagem mais política. Por exemplo, nos Estados Unidos há universidades adotando meu livro como leitura obrigatória para todos os alunos ingressantes. Inicialmente até tive dó dos alunos por terem de ler o livro no verão, mas me disseram que ele gostam, porque não é um livro sobre comida, mas sobre poder e corporações multinacionais tentando influenciar seus hábitos. É sobre a habilidade deles de enfrentar isso, e os jovens adoram ver o mundo dessa forma. Acho que os adultos também.
Recentemente, o senhor publicou um artigo na revista do New York Times contando que pediu à indústria para criar uma campanha voltada para promover o brócolis. A solução estaria em uma comunicação mais criativa para os alimentos saudáveis?
A história começa assim: o que os gigantes dos alimentos fariam se, de uma hora para outra, tivessem de vender frutas e hortaliças frescas? Eles provavelmente pediriam às suas agências de propaganda que encontrassem um jeito de acionar o “botão emocional” dos consumidores em relação a esses alimentos, da mesma forma que eles acionam o botão emocional em relação a guloseimas. Esse ótimo slogan do chocolate Snickers, da Mars, “não deixe a fome te pegar” (no Brasil, simplificado para “Mata sua fome”), é tão poderoso e típico da indústria de alimentos.
Eles nos fazem comer não porque estamos com fome realmente, mas por razões emocionais. Então perguntei a uma empresa o que ela faria para vender brócolis, e ela criou uma campanha fictícia. Mas, para saber se funcionaria, ela teria de ser testada em algumas cidades, com um gasto de alguns milhões de dólares. Eu não podia pagar a agência para testar isso, então ficamos sem saber se daria certo.
O senhor conta no livro que um ex-executivo da Coca-Cola mudou de ramo e transformou o marketing de uma marca de cenouras baby ao colocá-las dentro de embalagens brilhantes, ao lado dos salgadinhos, com o slogan “Coma como se fosse junk food”. Há outros casos de sucesso no setor de hortifrúti?
Também houve uma grande publicidade para o abacate e para amêndoas, que resultou em um aumento nas vendas. Mas nenhum foi tão criativo quanto o das cenouras. A campanha das cenouras funcionou bem nos dois mercados em que foi testada. Eu escolhi o brócolis porque ele era um dos vegetais mais difíceis de promover. Ninguém é apaixonado por brócolis.
As pessoas mais importantes que o senhor entrevistou para o livro são cientistas e executivos de dentro da indústria de alimentos. Como conseguiu que eles falassem?
Os documentos que eu tinha em mãos foram fundamentais…
Documentos relacionados às ações contra a indústria do tabaco?
Em grande parte. Além disso, a indústria de alimentos adora ganhar prêmios e, para concorrer a eles, tem de contar em detalhes por que merece o prêmio. Esses relatos incluem informações que jamais abririam em outras circunstâncias. Eu tive acesso a esses relatórios. Foram esses documentos que me revelaram como a indústria estava criando e promovendo seus produtos e quem eram os principais tomadores de decisão nessas empresas. Não são nomes que costumam aparecer nos jornais. Tendo os nomes, pude procurar essas pessoas e pedir que me contassem a história completa. Como eu iria escrever sobre o assunto de qualquer forma, eles acharam que valia a pena falar. Quer dizer, eles poderiam preferir que eu não existisse, mas me parece que eles entenderam que fui justo na minha abordagem. Depois, até recebi convites. Uma das coisas mais interessantes foi a Kellogg’s me chamar para mostrar por que não podia abrir mão do sal em seus cereais matinais: eles ficariam intragáveis.
Além de relatar segredos, eles se abriram sobre como se sentem em relação a suas criações. Houve quem se arrependesse. Eles não pensaram antes nas consequência de seu trabalho?
Houve quem me dissesse mais ou menos o seguinte. “Quando criamos esses produtos, não pretendíamos que fossem consumidos de hora em hora ou todos os dias. Era para ser um consumo ocasional, mas a dependência desses alimentos aumentou de forma dramática.” Jeffrey Dunn, o ex-presidente da Coca-Cola, me disse que, naquela posição, ele estava em uma tal guerra contra a concorrência que não dava tempo para refletir sobre as consequências. Somente depois de sair da empresa é que ele veio a pensar sobre o que havia feito, e hoje, com as cenouras, diz que está pagando seu carma. Isso faz sentido para mim. De novo, não vejo essas pessoas como “do mal”. Eu as vejo absorvidas pelo sistema da indústria de processados, que é um grande poder ganhando espaço. Meu propósito com o livro não foi culpar ninguém, mas explicar como as coisas acontecem.
E como fica sua relação com as fontes depois da publicação do livro?
Algumas empresas não querem falar comigo. Mas o livro parece ter funcionado como um alerta para a própria indústria.
Acontece, no fim de palestras que dou, de alguém vir conversar comigo e dizer coisas do tipo: “Eu trabalho para a empresa XYZ e não podemos dizer isso em público, mas estamos torcendo por você. Queremos tentar fazer a coisa certa”.
Para terminar, uma pergunta mais pessoal. Quais alimentos processados o senhor compra sem preocupação?
Batata frita de pacote. Adoro. Também compramos pizza congelada de vez em quando, naquelas noites de correria, quando não dá tempo de cozinhar. Compramos feijão em lata, tortilhas prontas, queijos, algumas carnes pouco processadas. Eu não evito tudo que é processado, nem mesmo o que é altamente processado. Mas devo dizer que, depois de escrever o livro, eu me sinto mais empoderado a não comer demais. Quando abro o saco de batatas fritas, eu me lembro dos cientistas que ajudaram a inventá-las, e então posso comer só um pouco.
É como se o senhor decidisse não deixar esses caras decidirem por você…
Exatamente.