Por serem considerados verdadeiros reservatórios naturais de carbono, berçários de biodiversidade e barreiras contra a erosão costeira, os manguezais deveriam figurar como protagonistas em todas as discussões relacionadas à mudança climática, principalmente com relação às políticas públicas e à agenda ESG das empresas
Por Marcus Fernandes*
Fotos: Madson Galvão – Pesquisador Projeto Mangues da Amazônia
O objetivo central da COP 30 é inaugurar uma nova etapa da ação climática global, convertendo compromissos em resultados efetivos, com ênfase na implementação de políticas públicas, no financiamento climático e nas estratégias de adaptação e mitigação. Muito se fala sobre “mudanças climáticas” e “emissões de carbono” ao redor do mundo, e já se tornou comum ouvir referências aos “créditos de carbono” como solução. O que raramente ocupa espaço nesse debate é o papel dos manguezais e o seu potencial para impulsionar essa nova fase de ação climática global.
Um ecossistema que, apesar de armazenar grandes quantidades de carbono, é ambientalmente subestimado dentro dessa discussão. Por serem considerados verdadeiros reservatórios naturais de carbono, berçários de biodiversidade e barreiras contra a erosão costeira, os manguezais deveriam figurar como protagonistas em todas as discussões relacionadas à mudança climática, principalmente com relação às políticas públicas e à agenda ESG das empresas, que busca minimizar os impactos negativos e promover impactos positivos nas áreas ambiental, social e administrativa.
Como pesquisador que atua há mais de três décadas na restauração dos manguezais, frequentemente sou questionado sobre créditos de carbono ligados à conservação dos manguezais. A experiência mostra que, antes de discutir esse mercado de carbono, é preciso conversar sobre o que é carbono e como o sequestro, o estoque e as emissões funcionam. A população em geral não está familiarizada com esses conceitos, mas já discute formas de comercialização dos créditos, e isso pode se transformar em um problema mais adiante.
Da mesma forma, a legislação brasileira, somente agora começa a se estruturar para esse debate, mas ainda existe um enorme desconhecimento sobre as metodologias para aplicação na prática desses créditos de carbono em áreas alagadas, especialmente manguezal.
Apesar da relevância dos manguezais como sumidouros de carbono, na Amazônia não dispomos de milhares de hectares contínuos para reflorestamento, como exigem alguns modelos de comercialização de créditos de carbono. Nossa abordagem tem que focar no grande cinturão de manguezal que ainda se encontra conservado, na sensibilização via educação e clareza nas práticas científicas que são fundamentais para que, lá na frente, possamos ter uma prática de mercado de carbono mais justo e transparente, mais adequado à realidade da costa amazônica.
Com a realização da COP 30 em Belém, em nosso “quintal”, teremos a oportunidade de mostrar que a costa amazônica é um cenário cujo destaque é a maior “Faixa Contínua de Manguezal” do planeta.
É nesse cenário dominado por manguezais exuberantes e produtivos que o projeto Mangues da Amazônia, cujas diretrizes já estavam sendo formadas desde 2005 e que a partir de 2021 vem sendo patrocinado pelo Programa SocioAmbiental da Petrobras, afirma-se como um exemplo de iniciativa bem-sucedida quando se trata da conservação de áreas de manguezal.
Hoje, nossas ações beneficiam direta e indiretamente cerca de 50 mil pessoas, principalmente nos municípios de Tracuateua, Bragança, Augusto Corrêa e Viseu, todos no Pará, onde o projeto tem foco. Até o final deste ano alcançaremos perto de 40 hectares reflorestados, mas fazemos mais do que isso. Temos obtido muitos avanços com nossa abordagem científica, que é a base dos projetos originados no Laboratório de Ecologia de Manguezal (Lama/Iecos/UFPA), em Bragança (PA).
Entre as diversas atividades realizadas pelo projeto, até o momento, vale destacar duas mais recentes que têm como foco comprovar os benefícios do manguezal e a importância de sua preservação. Passamos a aplicar o mapeamento genético como forma de identificar populações de árvores de mangue com maior variabilidade genética, no intuito de garantir a produção de mudas mais resilientes, reduzindo perdas e aumentando a capacidade de adaptação dessas espécies frente às mudanças climáticas. Os resultados deverão refletir a produtividade das áreas restauradas, os estoques de carbono e o retorno da fauna típica aos manguezais da região, como o caranguejo-uçá que já está voltando a habitar áreas por nós reflorestadas.

Nossa pesquisa mais recente revela que só nas quatro Reservas Extrativistas Marinhas do estado do Pará em que atuamos (das 14 existentes) há uma concentração de cerca de 12 milhões de toneladas de carbono, representando cerca de 70% do total estimado para o estado.
Esses números colocam o Brasil em posição estratégica em comparação aos outros países que possuem manguezal ao redor do mundo, além do fato de que nossas estimativas enfatizam que os manguezais da costa amazônica podem concentrar entre 5% e 14% de todo o carbono estocado por esse ecossistema no planeta.

Depois de mais de três décadas de pesquisa e ação em campo, entendo que os manguezais da costa amazônica não podem mais permanecer invisibilizados. Seus serviços ecossistêmicos concentram alta biodiversidade (nem toda conhecida), protegem, alimentam e movimentam diversas cadeias de valor que geram renda para as comunidades costeiras, além do seu potencial no enfrentamento da crise climática.
A COP 30 configura-se como um marco para transformar ciência em ação política global, reconhecendo o manguezal como um ecossistema estratégico e garantindo que ele seja incorporado como um componente-chave na mitigação climática e na promoção da resiliência socioecológica.
* Marcus Fernandes é coordenador do Projeto Mangues da Amazônia e do Laboratório de Ecologia do Manguezal (Lama/UFPA).