Conheça projetos que geram benefícios diretos para frear as emissões e conservar ativos da biodiversidade
Por Eduardo Geraque
A IA torna-se uma grande aliada do clima e da biodiversidade na medida em que ações de proteção que seguem um padrão repetitivo podem ser concluídas com mais precisão e eficácia. Para Carlos Souza Jr, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, a IA pode ser traduzida como “algoritmos de aprendizagem de máquina para automatizar tarefas executadas por humanos”.
Isso não ocorrerá da noite para o dia, porque muito desenvolvimento computacional terá que ser feito ainda ao longo de meses e anos, mas chegará o momento em que as aplicações desenvolvidas com base na IA vão eliminar a subjetividade e o esforço humano de várias tarefas onde eles estão presentes hoje. Nos testes computacionais atuais, os algoritmos inteligentes já superam os tradicionais.
Nesse sentido, há diversos projetos sendo construídos tanto para mapear quanto para conservar florestas, gerando benefícios diretos para frear as emissões e conservar ativos da biodiversidade. Um desses projetos é tocado pelo Imazon em conjunto com outras instituições que geram ciência e informação no Brasil.
Souza Jr. cita a pesquisa que vem sendo desenvolvida em parceria com o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). O objetivo principal é criar um algoritmo para validar os resultados gerados pelo Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do próprio Imazon – atividade hoje feita por analistas de carne e osso, mas que deve em breve ser automatizada.
Com a IA, será possível reduzir a necessidade de mão de obra humana no dia a dia da validação. Os testes já mostram bons resultados, sem perda de consistência ou precisão na análise dos dados. Segundo ele, o algoritmo de Inteligência Artificial ainda não consegue acertar tudo, e continua sendo treinado para aprender novos casos, mas a expectativa é que, no segundo semestre de 2024, esteja acertando em uma taxa superior a 80%. “Isso reduz o tempo de validação e libera a equipe para outras análises”, avalia Souza.
Sob o mesmo guarda-chuva da proteção à biodiversidade e enfrentamento do desmatamento, existem várias trilhas percorridas por cientistas, não apenas no Brasil. É o caso do desenvolvimento do pacote de software Conservation Area Prioritization Through Artificial INtelligence (Captain), criado por um grupo de pesquisa da Universidade de Friburgo, na Suíça, do Instituto Suíço de Bioinformática, e de pesquisadores da Suécia e do Reino Unido. A ferramenta oferece soluções para a proteção de espécies ameaçadas de extinção. Segundo o grupo, que publicou seus resultados na Nature Sustainability[1], os modelos matemáticos otimizados pela IA fornecem soluções melhores do que os softwares de ponta existentes hoje.
“Para otimizar nossos modelos de IA, simulamos um mundo artificial, que compreende muitas espécies expostas a impactos humanos, como exploração direta ou mudanças no uso da terra, e mudanças climáticas”, diz a bióloga computacional Daniele Silvestro, professora da Universidade de Friburgo e líder do projeto do Instituto Suíço de Bioinformática.
“Deixamos o algoritmo desempenhar o papel de tomador de decisão política como em um videogame, onde a recompensa é o número de espécies poupadas da extinção no final do jogo”, diz ela. O programa roda o jogo várias vezes, o que permite aprender qual é a melhor forma de posicionar as áreas protegidas dentro do mundo simulado. Após esta fase de treinamento, o algoritmo está pronto para processar dados do mundo real.
Na criação do modelo, os autores descobriram que a proteção da biodiversidade ocorre de forma mais efetiva quando existe um bom conjunto de dados sobre a distribuição espacial das espécies. Além disso, é importante que as populações que vivem no bioma analisado sejam monitoradas com regularidade – e não apenas por especialistas em abordagens isoladas, por novas tecnologias ou pela utilização de DNA do solo e imagens captadas via drones. Ou seja, o grupo defende o monitoramento sistêmico da fauna e da flora, e não estudos pontuais usando essas ferramentas. A geração de informação populacional mostra-se mais consistente a partir de forças-tarefas colaborativas abrangentes, segundo mostra a análise.
Por meio da IA, a metodologia europeia prioriza as áreas mais sensíveis que precisam ser conservadas. A tomada de decisão é feita a partir da quantificação do trade-off entre os custos e benefícios de se proteger uma determinada área e a biodiversidade contida nela. São múltiplas as possibilidades de métricas que podem ser exploradas relacionadas à biodiversidade de uma região. Segundo os cientistas, os resultados são importantes para ajudar na elaboração de políticas públicas, a partir dos orçamentos quase sempre limitados para o setor ambiental.
“O nosso modelo protege significativamente mais espécies da extinção do que ocorre quando as áreas são selecionadas aleatoriamente ou de forma ingênua, apenas com base na riqueza de espécies”, escreve o grupo de cientistas na Nature Sustainability. Isso permite que metas de conservação biológica sejam atingidas de forma mais confiável, a partir dos mapas de prioridades que são gerados pelo software.
“O monitoramento regular da biodiversidade, mesmo com um grau de imprecisão característico dos inquéritos científicos, melhora ainda mais as ações de proteção. A IA é uma grande promessa para ampliar a conservação e a utilização sustentável dos valores biológicos e ecossistêmicos em um mundo em rápida mudança e com recursos limitados”, defende o grupo.
Pé na estrada
No Brasil, segundo Souza, existem outros exemplos, dos quais o Imazon também participa, publicados em revistas internacionais. Um deles visa automatizar, por meio da IA, a detecção de estradas não oficiais que rasgam o interior da Amazônia[2].
É bem conhecido o fenômeno de vias não autorizadas, que são abertas por madeireiros, garimpeiros e assentamento de terras a partir das estradas regulares. Pesquisas anteriores investigaram o problema a partir da interpretação visual e da digitalização manual de dados, que geraram um banco de dados das estradas da Amazônia. Esse conjunto de informações permitiu aos cientistas entender a dinâmica das estradas irregulares e os impactos gerados em termos de desmatamento e fragmentação vegetal, além de apoiar diversas aplicações científicas e sociais.
O que o novo estudo fez, usando o mesmo banco de dados sobre as estradas, foi treinar e modelar um algoritmo que detecta, por meio de IA, as vias rurais na Amazônia a partir de imagens de satélite. Os resultados, além da melhoria do algoritmo, mostram uma pegada surpreendente de estradas na Amazônia Legal brasileira, com 3,46 milhões de quilômetros de vias mapeadas em 2020.
Segundo os autores, os modelos desenvolvidos pelo grupo automatizaram totalmente a detecção de estradas em áreas rurais da Amazônia brasileira, possibilitando operacionalizar, de forma eficiente, o seu monitoramento. O roteiro de IA criado na pesquisa, mostra o artigo científico, permite compreender com mais precisão o impacto das estradas rurais sobre novos desmatamentos, incêndios e fragmentação da paisagem amazônica. São informações que podem ajudar na elaboração de políticas públicas de conservação florestal e planejamento regional.
O público em geral pode usar algumas dessas inovações por meio da plataforma PrevisIA[3], criada em 2021 pelo Imazon, pela Microsoft e pelo Fundo Vale. A aplicação, a partir de um algoritmo de IA e um modelo de risco desenvolvidos pelo Imazon e com recursos avançados de nuvem de computadores do Microsoft Azure, analisa diversas variáveis para indicar as áreas sob maior risco de desmatamento – entre elas estradas legais e ilegais, topografia, cobertura do solo, infraestrutura urbana e dados socioeconômicos.
Além do mapa de calor, a plataforma indica a área total e o número de municípios, as Unidades de Conservação, as Terras Indígenas, os territórios quilombolas e assentamentos rurais sob risco de desmatamento na Amazônia. A ferramenta também possibilita a análise por estado e fornece rankings de estados e municípios com maior probabilidade de terem áreas de floresta destruídas.
Nessa linha, vários algoritmos de aprendizagem de máquina e inteligência artificial são usados pelo MapBiomas na classificação de informações extraídas em imagens de satélite. Os modelos de Inteligência Artificial, por exemplo, são usados hoje para os vários monitoramentos que a instituição faz, como o de queimadas[4]. Neste caso, o algoritmo mapeia as cicatrizes deixadas pelo fogo em todo território nacional. O modelo é treinado, matematicamente falando, para entender os padrões de queimadas em determinadas regiões de todos os biomas brasileiros.
Da floresta tropical para o Centro-Oeste
A Inteligência Artificial, as redes computacionais neurais para a segmentação de imagens e 42 mil figuras de altíssima resolução espacial sobre a geografia do Cerrado brasileiro também são itens centrais em um outro estudo brasileiro, que conta com a participação da sociedade privada e do terceiro setor.
Nesta pesquisa[5], os autores desenvolveram um método eficiente para detectar e mapear sistemas de irrigação por pivô central em parte do Centro-Oeste brasileiro. A metodologia, segundo o grupo de pesquisadores, tem potencial para ser ampliada a áreas maiores e melhorar o monitoramento do uso de água doce pelas atividades agrícolas em todo o Cerrado.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao foco de pesquisa do grupo do professor Alexandre Delbem, no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP em São Carlos (SP). “Estamos trabalhando na construção de modelos que possam gerar melhores estimativas da umidade do solo (em resolução coerente com o relevo de uma bacia) e da umidade do ar próximo ao solo, a partir de dados de satélite e de sensores em terra”, diz.
“A ideia é que os resultados desse tipo de modelagem beneficiem análises e modelos de previsão em geral, tanto para secas quanto cheias, mesmo nas regiões em que há carência de dados, mas que são importantes para estudos ambientais, investigações sobre a resiliência dos sistemas alimentares e os impactos socioeconômicos devido à mudança climática”, afirma Delbem.
As pesquisas do grupo vão desde o enriquecimento de modelos hidrodinâmicos convencionais usando IA até a proposição de inovações em processos para estimativas da dinâmica atmosférica pelo desenvolvimento de novos métodos atrelados à IA.
Outros papers mostram como a ciência e a tecnologia do sensoriamento remoto estão imersas na era do big data. Por isso, mudanças de paradigmas estão ocorrendo para dar robustez a esse mergulho. Uma das principais mudanças diz respeito à forma de processamento dos dados.
“Certamente, haverá ganho de precisão com AI em relação aos algoritmos tradicionais, mas a maior vantagem é poder sempre aprender novos casos e continuar evoluindo. Uma outra área potencial, é usar IA para decidir se uma multa por desmatamento ilegal deve ser enviada ou não (segundo regras legais e administrativas dos órgãos de controle). Isso ainda não foi desenvolvido, mas certamente removeria a subjetividade da decisão humana na tomada de decisão”, afirma Souza Jr, do Imazon.
Em síntese – mensagens-chave:
Há diversos projetos sendo construídos tanto para mapear quanto para conservar florestas, gerando benefícios diretos para frear as emissões e proteger ativos da biodiversidade. Os projetos buscam automatizar tarefas repetitivas e liberam equipes para executar outras análises.
A simulação em jogos também permite identificar as melhores estratégias para proteção da biodiversidade. A proteção é mais efetiva quando existe um bom conjunto de dados sobre a distribuição espacial das espécies e o monitoramento é feito com regularidade.
Os resultados são importantes para ajudar na elaboração de políticas públicas, considerando os orçamentos quase sempre limitados para o setor ambiental.
Outros usos da IA em monitoramento ambiental incluem impacto das estradas rurais sobre novos desmatamentos, incêndios e fragmentação da paisagem amazônica; exploração de água doce e medição da umidade no solo; e mapeamento das áreas mais propensas ao desmatamento, de acordo com variáveis como estradas legais e ilegais, topografia, cobertura do solo, infraestrutura urbana e dados socioeconômicos.
Um campo potencial, ainda não desenvolvido, é usar IA para decidir o envio de multas por desmatamento ilegal, segundo regras dos órgãos de controle, o que removeria a subjetividade da decisão humana na tomada de decisão.
[1] https://www.nature.com/articles/s41893-022-00851-6
[2] https://www.mdpi.com/2072-4292/14/15/3625
[4] https://brasil.mapbiomas.org/metodo-mapbiomas-fogo/
[5] https://www.mdpi.com/2072-4292/12/3/558
Perguntamos ao Chat GPT como a IA pode ser uma aliada contra o desmatamento, visando a proteção do clima e da biodiversidade. Eis a resposta:
A Inteligência Artificial pode ser uma aliada poderosa na luta contra o desmatamento, especialmente no Brasil, onde a Amazônia e outras florestas tropicais enfrentam ameaças constantes. Em primeiro lugar, os sistemas de monitoramento por IA, como o uso de imagens de satélite e algoritmos de aprendizado de máquina, podem detectar e alertar sobre atividades de desmatamento em tempo real. Isso permite uma resposta rápida das autoridades e organizações ambientais para impedir a destruição ilegal das florestas. Além disso, a IA pode ajudar na identificação de padrões e tendências de desmatamento, fornecendo insights valiosos para entender melhor as causas subjacentes e desenvolver estratégias mais eficazes de conservação. Por exemplo, algoritmos de análise de dados podem identificar áreas de alto risco de desmatamento com base em fatores como padrões históricos, proximidade a estradas e assentamentos humanos. Outra aplicação importante é o uso de IA para o mapeamento e monitoramento da biodiversidade. Algoritmos de reconhecimento de padrões podem ajudar a identificar espécies ameaçadas e áreas de alta diversidade biológica, permitindo uma gestão mais eficaz das áreas protegidas e o desenvolvimento de estratégias de conservação direcionadas. Além disso, a IA pode ser utilizada para prever os impactos do desmatamento no clima e na biodiversidade, permitindo uma avaliação mais precisa dos riscos associados à destruição das florestas e informando políticas de mitigação e adaptação. No entanto, é importante reconhecer que a IA não é uma solução completa por si só e deve ser combinada com outras abordagens, como o envolvimento comunitário, a aplicação da lei e o desenvolvimento sustentável, para enfrentar efetivamente o desafio do desmatamento e proteger o clima e a biodiversidade. – Texto gerado pelo Chat GPT |
Esta reportagem integra o Dossiê Página22 sobre IA, produzido com o apoio do Instituto Arapyaú, por meio de seu Programa de Fellows. Acesse também: