Deu na Página22… há 11 anos
Ao precificar passivos e riscos socioambientais e de governança, o novo padrão contábil internacional levará as empresas a considerar esses critérios como estratégicos para as suas operações
Por Amália Safatle
Ao se reportar impactos socioambientais negativos e positivos da atividade produtiva nos balanços corporativos, os instrumentos financeiros e econômicos passam a jogar a favor da sustentabilidade. Essa frase poderia fazer parte do noticiário atual, uma vez que as empresas hoje se preparam para se adequar a novas regras internacionais de reporte, que vão incluir resultados relacionados à sustentabilidade e ao clima. Mas a frase é de um artigo de Roberto Silva Waack publicado pela Página22 em 11 de julho de 2013 – há exatos 11 anos – intitulado “Os contadores vão salvar o mundo?“.
O novo padrão de reporte passará a ser mandatório globalmente a partir de 2027. No Brasil, os prazos são mais curtos: o País será o primeiro a adotar a obrigatoriedade para as empresas listadas em Bolsa a partir de 2026, relativo aos resultados de 2025, conforme previsto pela Resolução nº 193/23 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Isso significa que todas as informações das companhias deverão constar de um único relatório formal e auditável, seguindo um padrão definido no âmbito do International Financial Reporting Standards (IFRS), que tem a adesão de mais de 140 países, incluindo o Brasil.
Todas essas mudanças no padrão contábil global atendem a uma única demanda: conhecer com objetividade os riscos e os ativos ambientais, sociais e de governança (ESG) que afetam de forma negativa ou positiva o resultado econômico e financeiro das organizações. Essas informações se encontram espalhadas em relatórios de sustentabilidade, em divulgações de caráter voluntário, alguns com grau de transparência questionável e sem padronização, o que dificulta análises e comparações. Os analistas financeiros ficam no escuro para tomar decisões com base em critérios ESG.
O novo padrão contábil, portanto, vem para jogar luz a essas informações. Mais que isso: ao monetizar os resultados ESG, precificando passivos e riscos socioambientais e de governança, o padrão levará as empresas a considerar esses critérios como estratégicos para suas operações. “Sim, ganha força a hipótese de que serão os contadores que salvarão o mundo”, vaticinou Waack em 2011.
O International Standards Sustainability Board (ISSB), braço do IFRS, será responsável por cuidar do processo de implementação das normas IFRS 1, voltada à sustentabilidade, e IFRS 2, voltada ao clima. As etapas seguintes – S3, ligada ao capital humano, e a S4, ligada à biodiversidade e capital natural – ainda aguardam maiores definições sobre a implementação.
“A palavra-chave aqui é materialidade, ou seja, aquilo que é tangível, substancial – um passo intermediário entre o reconhecimento de externalidades e monetizações”, escreveu Waack. De fato, uma empresa pode falar genericamente sobre a importância que dá ao capital natural. Mas, se não conseguir dar materialidade para esse valor, o discurso fica vazio e abre margem para o greenwashing, na contramão da transparência exigida por investidores.
Daí a necessidade de valorar aspectos que ainda não são fáceis de medir. Enquanto há métricas precisas para medir capital de giro ou qualquer outra informação do balanço econômico-financeiro, faltam métricas aprimoradas para mensurar com exatidão elementos como biodiversidade e o capital humano – uma fronteira de conhecimento que se abre, deixando de ser um tema apenas de ambientalistas e da sociedade civil organizada, para adentrar o mundo das finanças, das consultorias e da contabilidade.