Não serão triviais os desafios a serem enfrentados na COP 30. Dez anos após o Acordo de Paris, firmado durante a COP 21, a conferência do clima das Nações Unidas que o Brasil sediará em novembro em Belém do Pará ocorrerá sob o signo da derrocada do sistema multilateral, colaborativo e cooperativo, que havia propiciado em 2015 um consenso internacional histórico pela redução das emissões.
Hoje, segundo a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, o cenário é completamente outro, regido pela fragmentação da diplomacia climática, pelo avanço da extrema-direita negacionista e pelo retorno ao poder de um líder – Donald Trump – que propõe uma nova arquitetura global calcada em energia fóssil, nacionalismo e ações anti-ESG, com o respaldo das big techs.
O mundo estará perdido? Não necessariamente. “Não é porque o Trump diz que o clima não importa mais, que o clima não vai importar mais. Ao contrário, o reconhecimento do risco climático está claro”, diz o presidente do Instituto Arapyaú, Roberto S. Waack.
O risco climático não só foi escancarado, como agora é considerado de curto prazo – mostra o mais recente relatório do Fórum Econômico Mundial, lançado em 20 de janeiro em Davos. Riscos de curto prazo, por óbvio, afetam o resultado econômico de curto prazo das organizações, por mais que uma parcela delas não queira admitir.
A crise climática, portanto, entra na veia dos principais tomadores de decisão. Mais um risco vem da litigância climática, que tende a crescer com a mobilização social, fortalecida para combater retrocessos na agenda. Além disso, contrapesos geopolíticos vêm da China, que passa a liderar soluções energéticas para o clima, enquanto o Brasil pode – e deve – colocar-se como um provedor de soluções especialmente no que se refere a uso da terra e capital natural.
“A COP 30 vai, de certa maneira, incorporar todo esse processo. Eu nunca vi tanta conexão do mundo empresarial com a discussão climática e muito especialmente com a COP 30”, diz Waack, de Davos, de onde concedeu com Izabella Teixeira esta entrevista à Página22, inaugurando a série de artigos “Para Além da COP 30”.
Izabella Teixeira é conselheira emérita do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e membro do Painel Internacional de Recursos Naturais da ONU Meio Ambiente (IRP/UNEP), do Conselho Consultivo de Alto Nível da UN-DESA e do Conselho Administrativo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Foi ministra do Meio Ambiente (2010-2016) e é senior fellow do Instituto Arapyaú.
Roberto S. Waack é presidente do Conselho do Instituto Arapyaú; cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e de Uma Concertação pela Amazônia; membro do conselho de diversas organizações, incluindo Natura &CO, re.green, Marfrig, Wise Plásticos e WWF-Brasil; e colunista da Página22.
Quais são os temas principais que vocês pretendem desenvolver ao longo desta série de artigos, que consideram cruciais e não podem faltar em um debate sobre a COP 30? (Acesse o primeiro artigo aqui.)
Izabella Teixeira: Primeiro a gente tem de mudar a maneira de abordar a COP 30. A COP 30 possui três grandes layers [camadas]. A primeira é a agenda da própria Nações Unidas, que envolve uma série de questões como transition away, financiamento de US$ 1,3 trilhão [volume anual necessário para ações de mitigação e adaptação], um roadmap [mapa do caminho] para isso, mercado de carbono e regulamentação do Artigo 6 [do Acordo de Paris]. Essa é a chamada pauta formal, não é o que o Brasil vai discutir, é o que a presidência do Brasil terá de pactuar internacionalmente com uma agenda da COP e a sua estratégia. A COP não é do Brasil, e sim um evento que acontece no Brasil, tem alguns mandatos e, portanto, terá de ser negociada internacionalmente com os países-membros. Considerando que o Brasil assumiu a presidência da COP agora [com André Corrêa do Lago], e vai entregá-la quando for anunciado o novo CEO em 2026, o presidente da COP continuará a exercer interlocuções após o fim da conferência.
A segunda coisa é: vamos olhar para dentro do Brasil e entender que o País vai sediar uma COP na maior floresta tropical do mundo. Isso, portanto, desperta interesses de constituencies, ou atores políticos, para discutirem temas relacionados a uma agenda que vai além da questão de energia, onde está o debate central da questão climática. A questão climática tem uma pergunta-chave: quanto o mundo está disposto a mudar – ou não – o sistema global de energia? Então, se [a COP] é na Amazônia e no Brasil, onde a agenda da terra tem um apelo estratégico na questão das emissões e das soluções climáticas, considerando as Soluções baseadas na Natureza e tudo mais.
Portanto, é natural que o Brasil queira mobilizar apoios em torno dessa agenda do uso da terra e provocar debates, agendas etc. que podem e devem estar na pactuação na agenda. Porque esta é uma COP de implementação, uma COP em que você terá que trazer isso do ponto de vista nacional e internacional sobre florestas tropicais e sobre a questão da agenda de uso da terra. Ainda é uma agenda híbrida, tem interesses internacionais e tem interesses nacionais. Como isso vai ser equacionado, como entram os povos tradicionais, como entram as novas economias, a questão da bioeconomia, os interesses de investimento do setor privado, engajamento – certamente são assuntos que estarão muito vivos ao longo deste ano.
Aqui mesmo em Davos, estamos percebendo um grande fenômeno de investimentos em regeneração e em Soluções baseadas na Natureza. E ainda tem esse movimento da ciência, de o IPCC [Painel Intergovernamental sobre mudança Climática] vir junto com o IPBES [Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos], trazendo as duas Convenções juntas, porque a natureza tem que entrar na agenda climática.
Essa é uma tendência que vai ser explorada nacional e internacionalmente. Muitos dos debates em torno da COP 30 vão acolher isso, o Brasil vai se mobilizar e acho muito difícil não discutirmos isso em diferentes perspectivas, além do enfrentamento ao desmatamento.
E a terceira coisa, essa sim, talvez seja uma novidade para o Brasil. Ao presidir a COP, o Brasil fará parte de um pool de países que presidem COP e que passam a ser uma voz e a ter um status global de outro jeito. O Brasil precisa equacionar segurança climática, segurança energética, segurança alimentar, a questão das cidades e a falta de adaptação, porque somos um país vulnerável que busca construir novas narrativas, por exemplo, em torno da agricultura tropical, da segurança alimentar e da pobreza. Sendo o Brasil um país provedor de soluções, precisamos fazer um dever de casa interno, complexo, que é criar uma agenda de convergência de interesses e visões que rebata em 2026.
Terminado o evento, é uma visão estratégica de país que você terá de pactuar com a sociedade. Essa visão remeterá a um compromisso político do País em que os brasileiros saibam o que está acontecendo. Porque, até agora, os brasileiros e os governadores tratam a COP como um grande evento, com profundo desconhecimento, e não com uma visão estratégica de como isso vai impactar o nosso modo de vida, a nossa economia, o custo de vida, tudo.
E isso tem de ser pactuado e politicamente se traduzir também naquilo que seria uma pauta do presidente Lula para a eleição. Não dele ou do partido dele, mas oferecendo essa pauta para o Estado, para a sociedade brasileira. Independentemente do campo político e ideológico, temos de andar nessa direção, com todos os trade-offs e dificuldades de curto prazo.
No relatório de Davos, lançado nesta 2a feira [20 de janeiro], o risco climático e o risco de poluição passaram de longo para curto prazo, em dois anos. Dos 10 riscos identificados no curto prazo, dois são associados à natureza. E no longo prazo, dos 10 riscos, cinco são associados à natureza.
O clima está no curto prazo porque as condições climáticas mudaram, porque estamos realmente vulneráveis, não somente por causa de secas e queimadas. O que aconteceu nos Estados Unidos [os grandes incêndios em Los Angeles] é bem significativo: veja a grande capacidade instalada na Califórnia, que não é negacionista, e os erros, o despreparo para lidar com o que aconteceu, mesmo tendo um orçamento maior que o de muitos países.
Esse é um contexto em que o Brasil terá de fazer o dever de casa, o que não tem nada a ver com NDC [Contribuição Nacionalmente Determinada]. Mas tem a ver com olhar a mobilização da sociedade e preparar o Brasil para lidar com os próximos 10 anos de uma agenda de novos rumos de sustentabilidade e de mudança climática. Vou parafrasear o [Henry] Kissinger: um país que não tem visão estratégica sobre seus rumos é um país refém de eventos. Então, a liderança tem de ser traduzida além das reuniões. Esta não é uma agenda ambientalista, é uma agenda do Brasil.
Roberto, você gostaria de complementar sobre os temas que pretende abordar nos artigos? Litigância climática e adaptação seriam assuntos importantes, uma vez que, por mais que se negue o aquecimento global, os negacionistas terão de lidar e se adaptar aos efeitos da mudança do clima?
Roberto Waack: Essa dimensão toda tem um rebatimento muito forte no setor privado, no momento em que há uma fragilização monstruosa dos sistemas multilaterais e das lideranças políticas no mundo inteiro em cima desse tema. Com isso, recai muito sobre o setor privado o protagonismo desse jogo. Eu vejo quatro grandes movimentos, quatro grandes tipologias.
Uma são as empresas que vão, de certa forma, aderir ao trumpismo como sendo um paradigma, e que é um paradigma empresarial de modelo de negócio. O segundo grupo vai seguir a narrativa, vão ser oportunistas numa situação de dizer, olha, eu vou usar esse momento para me adaptar, para corrigir as minhas fragilidades, etc. mas não vão aderir claramente ao trumpismo como um paradigma. A terceira parte – a maior parte das empresas – vai continuar no modelo hushing, de fingir que não é com elas. Vão fazer um ou outro outro estudo de adaptação, mas não vão se mexer”, vão ficar ali no campo de observação, de pouco protagonismo. E o quarto grupo são aqueles que realmente incorporaram a discussão climática aos seus modelos de negócios.
E aí tem o ponto da adaptação. Como a Izabella colocou, o risco climático na incorporação do mundo empresarial foi antecipado. Hoje o risco não é mais de longo prazo, é de curto prazo. E risco de curto prazo afeta o resultado econômico no curto prazo. Isso faz muita diferença do ponto de vista de valuation, de valor das organizações. Valuation significa trazer a valor presente a geração de caixa, e as empresas estão efetivamente enfrentando esse tipo de problema por conta das questões de adaptação. A crise climática, então, vai na veia dos principais tomadores de decisão, membros de conselhos, CEOs.
A outra questão é ligada justamente à litigância climática. A litigância deve aumentar como um processo de reação a esses movimentos oriundos da direita.
O movimento de ativistas climáticos não vai simplesmente absorver todo esse processo. Ele vai reagir muito fortemente. E essa reação deve se dar muito na área de litigância. Então, isso afeta fortemente executivos e tomadores de decisão das organizações. Elas não podem esperar que agora estão acobertadas com o mundo do Trump. As questões de danos reputacionais e de danos legais devem aumentar – e aumentar profundamente.
E o terceiro ponto se refere à incerteza com relação à estratégia de competição. Eu estava falando hoje com um dos grandes players do setor de proteína animal, que me disse: “Eu não sei como os meus concorrentes vão reagir. Perdi a referência”. Havia uma certa estratégia uniforme com relação ao tema de clima e natureza. Agora, não. Já não se sabe muito bem quais vão ser os movimentos empresariais. Qual vai ser o movimento do McDonald’s, que simplesmente acatou, de certa forma, todo esse processo proposto pelo Trump? Então, como é que o mercado financeiro vai reagir? Quais são os movimentos? Então, isso também é um risco, de você perder referência de como os seus concorrentes e os seus provedores de capital vão reagir a essa situação que a gente está vivendo. A discussão da COP incorpora tudo isso.
Eu queria aprofundar um ponto que vocês escreveram no artigo, sobre as condições geopolíticas que propiciaram o Acordo de Paris e o fato de que a maioria delas não está mais presente no mundo de hoje. Comparando a situação que havia em 2015 e a situação de hoje, qual a possibilidade de sucesso e avanços na COP 30?
IT: Os países emergentes estavam fazendo o seu dever de casa. Em 2015, o Brasil tinha reduzido o desmatamento e consolidava as menores taxas de desmatamento da História. A China investia maciçamente em tecnologias renováveis e a África do Sul também se preparava para tirar o carvão da sua matriz energética. Do ponto de vista dos presidentes, a presidente Dilma [Rousseff] não só manifestou um apoio estratégico à França, como havia ali uma sofisticação da diplomacia francesa para não errar. Você tinha o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, querendo o acordo. E o Brasil, como um país com uma matriz energética competitiva e biocombustíveis, foi uma voz ativa na construção das cooperações bilaterais, com chefes de Estado, com o Xi Jinping, com o Obama, com a [Angela] Merkel e com a Noruega.
Tanto no jogo bilateral quanto no jogo multilateral, havia vozes estratégicas querendo que desse certo. Existia uma consciência e um arranjo geopolítico do Ocidente querendo o Acordo de Paris. Naquela época, a ONU ainda importava, não era uma coisa tão frágil, mesmo com sucessivas COPs fracassadas. A diplomacia climática tinha um espaço para operar.
Hoje, o que você tem é uma fragmentação do mundo e uma diplomacia climática que opera completamente fragmentada, por questões geopolíticas, pela ruptura da ordem internacional, pela fragilização do sistema de cooperação internacional, e pelo mundo polarizado, onde você também teve uma expressão de negacionismo climático muito forte, resultante da emergência da extrema-direita no mundo.
E uma extrema-direita turbinada pelas big techs, pelas redes sociais com toda essa velocidade de desinformação?
IT: Você não tinha nas big techs, dez anos atrás, o poder de convocação política do mundo que hoje está nas mãos delas. E o Trump pautou agora uma nova estrutura global sobre isso. Por isso, o desembarque [dos EUA do Acordo] de Paris. Os Estados Unidos querem ser o primeiro do mundo via inovação tecnológica e via big techs. E as big techs americanas precisam de energia, não podem ter barreiras para serem competitivas. Então, [Trump] sai de Paris, declara um estado de segurança energética e vai, por intermédio disso, criar um novo espaço político para os americanos em uma disputa com a China, que detém todos os domínios tecnológicos da questão climática e de outras. A China está à frente deles.
No fundo, é uma busca por energia?
IT: Não, é uma busca por poder político em torno da inovação tecnológica e da Inteligência Artificial, da defesa às soluções de saúde pública do mundo.
Sim, mas a IA precisa de energia, senão não é nada, não é?
IT: Sim, mas você tem energia renovável com tecnologia da China, da qual os americanos não têm domínio tecnológico. Então, o que o Trump fez? Ele ditou uma nova estrutura global para lidar com a inovação e com a Inteligência Artificial. E franqueou o espaço para as big techs operarem. O Trump sempre quis as big techs com ele e conseguiu construir um projeto político no qual elas toparam bancar o projeto. Com combustível fóssil, o retorno é na hora e o risco está lá embaixo. Você vai apostar em renovável diante da dependência da tecnologia chinesa e da dificuldade de armazenamento?
Então, [o raciocínio de Trump foi:] eu saio [do Acordo de Paris], vou gerar uma capacidade de energia enorme a partir do petróleo, os árabes têm dinheiro para me financiar, há estoque de petróleo e não tem o risco de intermitência [ no fornecimento da energia]. As seguradoras topam pagar isso, e aí o problema vai acontecer mais à frente. A gente paga o risco, mas volta a ter poder no mundo e vai tentar controlar os chineses que são provedores de soluções para a questão climática.
O Trump voltou porque, na cabeça do americano médio, o mundo vai recepcionar os Estados Unidos como líder. Não era isso que estava posto há dez anos. Agora, há um novo projeto de poder e, para os americanos, o clima precisa estar fora desse novo projeto de poder. Por isso, o projeto do Trump não é solidário com o mundo. Para simplificar: essa discussão sobre clima bateu na discussão geopolítica do mundo.
Diante desse quadro todo e com a derrocada do multilateralismo, a saída está onde?
IT: Quando você quer mudar uma situação, há três caminhos. Se as instituições não dão conta, você reforma as instituições. Os Estados Unidos foram progressivamente perdendo espaço no poder político global, com a China entrando com tudo. A segunda saída é criar novas instituições. E a terceira saída é você declarar guerra. O Trump declarou guerra. Ele determinou um novo modelo, uma nova arquitetura do mundo, e o mundo agora está todo perdido para entender o que significa isso, porque a economia americana tem peso.
Ele está no dia 3 [do novo mandato], então temos de ter serenidade, entender e negociar. Os chineses também vão negociar com os americanos. Porque os americanos querem voltar a ter um espaço e depois negociar o compartilhamento de tecnologias. A Europa se torna a terceira perna da equação global, e hoje está se dissolvendo com problemas, inclusive pela crise energética provocada pela guerra da Ucrânia e Rússia.
Então você tem uma equação geopolítica totalmente diferente de dez anos atrás, tanto do ponto de vista multilateral, como do ponto de vista das relações bilaterais e laterais e dos blocos.
Teria que reformar o sistema multilateral?
IT: Para reformar um sistema multilateral, precisaria haver uma crise global. Nós tivemos uma crise global com a Covid e não fomos capazes de reconstruir o sistema e nem de criar um novo. Então, nós fomos à guerra. Este Trump criou uma guerra com o mundo e este Trump de costumes está criando uma guerra com a sociedade americana.
Todos os países vão conversar com o Trump, e o setor privado também, com mais ou menos reserva. Aqui em Davos se vê que muita gente continua andando com a agenda [climática]. E tem que seguir com a agenda sim, porque o setor privado também sabe que o risco climático tem peso na economia. O Trump vai continuar ignorando isso, para poder o mundo pagar a conta para os Estados Unidos poderem ser poderosos novamente. Essa é a minha opinião.
Nesse contexto de negociação, a discussão climática ganha importância, porque não é mais algo que a gente vai trazer para a História só olhando o médio e longo prazo. Você começa a tratar as questões de curto prazo e começa necessariamente a ter alianças para resolver isso. Então, como você vê, vai custar cada vez mais e aí, na minha opinião pessoal, nenhum país do mundo está preparado para lidar com o processo disruptivo que está colocado aí [pela crise climática].
Então, esta é uma condição geopolítica totalmente diferente do que nós tivemos em 2015, que era uma equação de trabalhar em cooperação e colaboração.
RW: Para complementar o ponto que a Izabella trouxe, um elemento da tecnologia sobre o qual a gente tem conversado bastante é a relação da Inteligência Artificial com o capital natural. Essa é uma frente que ainda está, de certa maneira, sendo formatada, mas com potencial muito interessante: como usar a IA para lidar com riscos diante desse processo de imprevisibilidade? Se o nome do jogo é imprevisibilidade.
A IA tem uma potência muito grande para lidar com previsão. Por mais difícil que seja, mas muito mais do que os humanos. Então, esse movimento das big techs na área de IA não deixa de fora a relação com o tema climático e com o tema do capital natural. Isso está na pauta e uma das questões que a gente deve abordar nesta série de conversas é justamente como que a gente, de alguma forma, faz essa ponte entre Inteligência Artificial, capital natural e as questões climáticas.
O setor privado está vivendo um enfraquecimento da agenda ESG ou na verdade uma depuração dessa agenda?
RW: Uma das coisas que ouvi hoje é: a discussão ESG já envelheceu. Tem uma parte grande que virou compliance (adequação às normas), e que não tem muito jeito de fugir, ninguém vai voltar para trás com uma série de questões. Ou, se voltar para trás, será em um movimento pendular, mas que, justamente por conta do risco, não tem como simplesmente ignorar. O risco é real, o risco afeta os negócios. O desgaste do título ESG, sustentabilidade etc. não significa que grande parte dos movimentos empresariais vai deixar de acontecer. Até porque, como dissemos, estamos em um movimento de incerteza.
O Trump propõe uma coisa nova, mas não quer dizer que essa coisa nova vai prevalecer como sendo a nova regra do jogo global. Está aí a China dizendo: “Os Estados Unidos saíram [do Acordo de Paris] e eu estou”. Então, não dá para ignorar o poder da China como um grande poder. O Brasil é muito mais dependente da China como fornecedor de commodities do que os Estados Unidos.
A China se coloca como a nova liderança climática global?
RW: Com certeza. Como uma contraposição. Nesse novo paradigma político, você tem, por um lado, os Estados Unidos com uma aposta que, de certa forma, está relacionada a reduzir sua dependência de novas fontes de energia, para potencializar esse movimento da tecnologia – até com uma reação à força que a China está mostrando para o mundo. Na indústria automobilística, por exemplo, toda a linha Tesla do Elon Musk deixou de ser competitiva comparada com os carros chineses. Na área de baterias, de conservação de energia, em todo esse campo, a China está na frente dos Estados Unidos. Isso não vai ser simplesmente jogado fora porque o Trump falou que não gosta.. A China é um player relevante.
E tem um outro aspecto que parece bastante claro, que é a importância do capital do Oriente Médio. Essas empresas que construíram o seu capital em cima do petróleo, no mínimo, estão diversificando suas apostas. No mínimo. É porque elas sabem que manter a aposta 100% em fossil fuel talvez não seja a melhor opção do ponto de vista de alocação de capital.
O mercado e a precificação do carbono também devem afetar esse quadro? Emitir carbono tende a ficar mais caro?
RW: É muito difícil saber. O fato é que, do ponto de vista de investimento e de fluxo de capital para uma nova economia, para segurança alimentar e para commodities de baixo impacto, o Oriente Médio tem um papel central nesse jogo.
Ninguém sabe se o que está acontecendo é reafirmação de um processo de declínio do modelo americano. Tem bastante gente que acha que isso é simplesmente uma continuidade da perda da importância dos Estados Unidos dentro do contexto mundial e uma tentativa, uma reação, uma forma do Trump de lidar com isso. E tem gente que acha que pode ser, sim, a retomada de um poderio econômico e político por conta da utilização de recursos, vamos dizer assim, da exploração de recursos naturais. Ninguém sabe direito como é que é isso.
Uma coisa clara é que a China tem uma opção clara, muito mais definida, muito mais de continuidade de uma aposta. E existe a aposta na liderança geopolítica ligada ao reconhecimento das mudanças climáticas e a necessidade de ações nesse campo. No meio disso tem os árabes, como grandes provedores de capital, diversificando as suas alocações, principalmente na área de commodities, o que inclui as commodities alimentares – e aí o Brasil entra fortemente nesse jogo.
O contexto de incerteza aumenta o risco das corporações, o que de certa forma aumenta muito a necessidade dessas empresas, qualquer uma delas, de se manter conectada a essa discussão. Não é porque o Trump diz que o clima não importa mais, que o clima não vai importar mais. Ao contrário, o reconhecimento do risco está claro. Então, que movimento que vai acontecer, para que lado que esse mundo vai andar, é algo que as empresas precisam estar conectadas e os principais fóruns de governança precisam estar conectados.
E, obviamente, COP 30 vai, de certa maneira, incorporar todo esse processo. Eu nunca vi tanta conexão do mundo empresarial com essa discussão e muito especialmente com a COP 30.