Uma “bioeconomia criativa” que floresce por trás do açaí, da castanha e demais cadeias produtivas da floresta tem poderes de iluminar e valorizar a sociobiodiversidade, mobilizar renda e engajar jovens talentos em cidades e comunidades amazônicas para um futuro de maior prosperidade. Na emergência climática do planeta, a efervescência da cultura e da inovação cria oportunidades bem perto de onde está o conhecimento tradicional e pode gerar legado social e econômico como forma de combate ao desmatamento
Este conteúdo, que representa uma contribuição da Página22 para a COP 30 do Clima em Belém, inaugura a série de reportagens sobre Bioeconomia Criativa, com atualização periódica de cases e das histórias de seus principais personagens.
Por Sérgio Adeodato
Beleza, criatividade, imponência artística. A ópera La Vorágine, uma releitura do clássico da literatura colombiana de José Eustáquio Rivera, não poderia ser mais simbólica ao descortinar uma Amazônia contemporânea cheia de desafios para a virada de chave da bioeconomia. Na estreia do 26º Festival Amazonas de Ópera (FAO) nesta terça-feira, dia 15, em Manaus, o espetáculo retrata a saga de transpor os caminhos da floresta na época do glamoroso ciclo da borracha, no início do Século XX – um diário de viagem rumo ao desconhecido e originário.
O palco de exibição é uma joia cultural emblemática: o Teatro Amazonas com seus 129 anos de fundação, ícone do apogeu econômico pela exploração do látex, o “ouro branco” das seringueiras. No uso sustentável da biodiversidade, os caminhos do extrativismo na atualidade são bem diferentes do modelo predatório que vigorou no passado com a febre da borracha. Nos novos tempos, o antigo teatro, no coração da maior capital amazônica, ganha outro status: fazer a economia girar sem degradar árvores e as condições de vida na floresta.
Em cenário de emergência da mudança climática global, a temática do romance inspira reflexões. “Criatividade é nosso principal ativo; queremos fazer com que os teatros sejam faróis do desenvolvimento sustentável”, afirma Flavia Furtado, diretora-científica do FAO, mantido por um fundo recém-criado para captação de investimentos. A mais recente adesão é da empresa Munay Group, consultoria austríaca de finanças verdes que opera na América Latina e pela primeira vez aposta fichas na economia criativa como vetor de conservação ambiental.
A programação do festival vai de 15 de abril a 18 de maio, com realização de três óperas, três concertos e dois recitais em diferentes espaços culturais, envolvendo 280 profissionais – entre técnicos, solistas, coro e orquestra – e um público estimado de 9 mil pessoas. Mais de 80% da força de trabalho é do Amazonas.
Com montagem inédita, a ópera de abertura apresenta a Amazônia como “um ‘vórtice’, um lugar que engole e transforma seus habitantes”, conforme esta análise acadêmica do clássico colombiano. A história joga luzes na relação homem moderno-natureza, ponto alto nesta produção binacional Brasil-Colômbia, assinada pelo maestro Luiz Fernando Malheiro (diretor artístico), João Guilherme Ripper (compositor) e Pedro Salazar (diretor de cena).
A vinda de La Vorágine de Bogotá para Manaus marca um novo capítulo para a expansão internacional das atividades do Corredor Criativo da Amazônia, mediante acordos que serão assinados nesta semana com Portugal, Colômbia e Áustria. Ao mobilizar recursos e promover formação técnica e criação de corpos artísticos, a iniciativa busca replicar a experiência do Amazonas e Pará, que têm os maiores festivais de ópera do País como impulsionador de turismo, cultura e educação.
Um dos principais objetivos é levantar investimentos para a cadeia da cultura como indústria verde. “O mundo já entendeu a importância de preservar a floresta e povos originários, mas falta o próximo passo que é a estratégia de conexão das cidades”, observa Furtado.
Manaus é reconhecida como referência brasileira do atual movimento de efervescência da ópera no mundo com teatros lotados. A partir do FAO, criado em 1997, os corpos artísticos amazonenses começaram a ser montados e toda uma cadeia de trabalho da economia criativa foi estruturada, com destaque para a expansão do setor hoteleiro e gastronômico de alto padrão no entorno do Teatro Amazonas.
A economia criativa engloba atividades relacionadas à criatividade, ao capital intelectual e à inovação. “O potencial é gigantesco, dado que temos 267 anos desde a primeira onda da Revolução Industrial, e só 60 anos de entendimento sobre os impactos da indústria criativa”, aponta Furtado.
O mundo mágico do simbólico e do imaginário amazônico é campo fértil para produções, como o aclamado Festival de Parintins (AM) e sua grandiosidade criativa no meio da floresta para a celebração dos bois Caprichoso e Garantido. De lá saem artistas cobiçados no Brasil como mestres na confecção de alegorias, inclusive para escolas de samba do carnaval carioca.
O despontar da “bioeconomia criativa”
Para além do açaí, castanha, cacau e demais produtos da sociobiodiversidade, uma pulsante “bioeconomia criativa” prospera no rastro do desenvolvimento das cadeias produtivas da floresta como estratégia de mantê-la em pé. Das artes à gastronomia, música, design, arquitetura, moda, literatura, indústria audiovisual, turismo, educação, produção de conhecimento e expressões da cultura tradicional, o espectro de segmentos dá bem a medida do potencial – marcado, muitas vezes, pela inovação.
São fronteiras de negócios nem sempre presentes nos indicadores da tão discutida bioeconomia como rota de soluções para o clima e a biodiversidade. Pelos números gerais da indústria cultural e criativa, porém, é possível inferir o tamanho do pedaço relacionado à natureza.
Trata-se de uma das áreas produtivas de maiores taxas de crescimento na última década no mundo, segundo a ONU. Baseado no uso do conhecimento, da cultura e da tecnologia para produzir bens e serviços novos, únicos e originais, o setor representa 3,1% do PIB global, com receitas de US$ 2,3 trilhões ao ano.
“Essas atividades geram significativa renda para pequenas empresas e oportunidades de emprego, especialmente para mulheres e jovens – no total, 50 milhões de pessoas globalmente”, ressalta Trinidad Zaldívar Peralta, especialista principal em indústrias criativas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
No Brasil, o PIB criativo atingiu R$ 217,4 bilhões em 2020, valor comparável à produção total do setor da construção civil e superior ao da extração mineral. São 935 mil empregos formais – aumento de 11,7% em relação a 2017.
Na visão de Peralta, as indústrias culturais e criativas se tornaram essenciais para o crescimento econômico inclusivo, reduzindo desigualdades e contribuindo para o desenvolvimento sustentável. No Brasil, apesar dessa importância, há desafios como “a falta de financiamento, necessidade de uma estrutura regulatória adequada, acesso limitado aos mercados internacionais e carência de indicadores para formulação de políticas”, enumera. A especialista recomenda fortalecer a cooperação entre os atores do próprio setor e com outros setores tradicionais da economia para promover o crescimento.
A sociobiodiversidade amazônica funciona como um grande manancial de insumos que abastecem serviços da economia criativa – o que, por sua vez, dá visibilidade e contribui na maior valorização das cadeias produtivas da floresta pela sociedade. “Ela representa uma ferramenta para aumentar a influência de um lugar por meio de sua cultura, atraindo não apenas visitantes, mas também investimentos”, completa Peralta.
A busca de reconhecimento e os poderes do celular na mão
Uma das principais contribuições na bioeconomia é a introdução de novas tecnologias. “A economia criativa está pronta, mas falta ser reconhecida pelas agendas ambiental e econômica como estratégia de conservação da floresta”, ressalta Tatiana Schor, chefe da unidade Amazônia do BID. Os reflexos, de acordo com ela, contribuem em desafios como a segurança alimentar e a necessidade de estancar o recrutamento de jovens pelo narcotráfico e outras atividades ilegais na Amazônia.
Na análise de Schor, uma nova fronteira nas cadeias da sociobiodiversidade é o desenvolvimento de forma integrada, olhando não só para a oferta, mas para a promoção do uso e visibilidade dos produtos no mercado. O banco anunciará neste ano um projeto inédito que fomenta essa estratégia no campo da gastronomia, no Brasil, na expectativa da COP 30 do clima em Belém.
“É preciso olhar para mercados fora da Amazônia, e a gastronomia é uma grande aliada, ao apresentar os produtos no contexto da cultura alimentar, estimulando inovações nas formas de uso”, pontua Joanna Martins, CEO da Manioca, empresa de alimentos naturais amazônicos, sediada na capital paraense.
À frente do Instituto Paulo Martins – pai da empreendedora, falecido em 2010, ícone na promoção das iguarias regionais –, o plano é promover a gastronomia como vetor de expansão de marcado para os ingredientes da bioeconomia alimentar. Ela ressalva: “Não vemos essa valorização com um olhar elitizado, mas uma forma de também valorizar povos tradicionais e, assim, manter a nossa culinária viva no dia a dia”.
Entre as atrações levadas pela empresária ao mercado, destaca-se o molho de tucupi preto, o “shoyo da Amazônia”. Obtido da mandioca pelo conhecimento tradicional, o ingrediente incorporou inovações para adequar padrões visando sucesso nas prateleiras.

Parceria comercial com a multinacional japonesa Ajinomoto contribui na logística de distribuição, abre espaços nos pontos de venda e dá suporte técnico ao desenvolvimento de produtos. Para Martins, é chave maior conexão com as cidades da Amazônia, sem o romantismo da bioeconomia extrativista associada à floresta profunda – uma demanda que a economia criativa tem muito a contribuir.
A atividade está relacionada à memória, cultura e sensibilidade nos modos de vida que influenciam a conservação da floresta. “Há o desafio de divulgação e quebra de estereótipos, porque a abrangência do tema vai muito além do artesanato. A produção criativa amazônica é muito mais contemporânea e próxima do restante do Brasil do que nosso imaginário consegue alcançar”, observa Fernanda Rennó, responsável pela frente de cultura da rede Uma Concertação pela Amazônia.
Uma iniciativa liderada por ela avança no desenvolvimento de plataforma digital destinada a mapear quem atua em produções nas diversas categorias da arte, nos territórios amazônicos com suas diferentes realidades. O propósito é promover conexões que possam fortalecer e expandir projetos com o olhar criativo.
Devido ao potencial de gerar oportunidades, emprego e renda sem destruir a floresta, a economia criativa precisa iluminar normativas, mas tem ficado de fora no intenso debate de políticas em torno do tema. “O contexto cultural agrega valor e encontra caminhos antes impossíveis, como na borracha [que chegou ao apogeu e entrou em decadência]”, diz Bia Saldanha, integrante do núcleo de governança da Concertação.
Com experiência de três décadas na região, onde desenvolveu o “couro vegetal” para acessórios de moda a partir do látex, a economista sugere tratar a indústria criativa como parte da sociobioeconomia, com recorte que envolve a sociedade e tem a cultura como ativo. Ela lembra dizeres do ambientalista e filósofo Ailton Krenak de que a floresta – para além de ser produtiva – tem que ficar de pé pelas suas subjetividades e simbologias.
Recente estudo da plataforma Cultura e Clima, desenvolvido pelo C de Cultura e Outra Onda, traz a mensagem de que “a arte e a cultura possuem um grande poder de mobilização social, podendo sensibilizar e engajar a sociedade na luta contra as mudanças climáticas”.
No cenário, a “bioeconomia criativa” tem potencial protagonista, em especial neste momento da IA e tecnologias digitais: “O celular e o sinal de internet que chega às comunidades são potentes ferramentas de conteúdo criativo na Amazônia”, enfatiza Saldanha. Ela colabora com a iniciativa Conexões Povos da Floresta, que pretende levar conectividade para 5 mil comunidades, com 1,6 mil já atendidas até agora, no segundo ano do projeto.
Amazônia não é um vazio de talentos
Ainda que limitada para determinados usos em alguns lugares, a chegada do wifi se soma à capacidade da produção de conhecimento por novos talentos nos territórios amazônicos. Mapeamento da Rede Rhisa identificou a existência de 405 estruturas de Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I) espalhadas pela Amazônia, como instituições de ensino superior, fundações de fomento e ambientes de inovação. Há 56 incubadoras e aceleradoras de negócios de impacto, hubs e polos tecnológicos. Junto a isso, outro levantamento mapeou a presença de 872 startups que já acessam programas de fomento em tecnologias emergentes (mais sobre CT&I na Amazônia neste Especial),
De acordo com o pesquisador Pedro Mariosa, professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) em Benjamin Constant (AM), “ao contrário do que se imagina, a Amazônia tem capital intelectual suficiente para a produção de conhecimento capaz de gerar avanços no uso sustentável da floresta”.
Na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, no Alto Solimões, a incubadora InPactas, localizada na Ufam, reúne 12 startups com mentoria para desenhar os negócios, dentro de um particular cenário da inovação.
Mariosa, também diretor executivo da incubadora, explica: “Estar em um território multicultural de três países diferentes, com muitas etnias e visões de mundo, sempre nos permitirá sair do óbvio e do convencional quando estivermos frente a frente com as novas problemáticas que surgem com a mudança climática. A capacidade de adaptação e a visão para soluções neste território são diferenciadas, em tempos da forte presença da inteligência artificial e do pensamento matemático computacional avançado como regra para resolução dos problemas globais”.
Na região, a professora de artes Murana Arenillas e a arquiteta Daniela Jaenicke se uniram para criar a Puwakana (mão, na língua Kokama), startup especializada na curadoria de arte indígena. O negócio consiste no trabalho de escuta ativa junto às comunidades para levantamento dos materiais, tempo de produção e formas de uso para orientar sobre técnicas, identificar formas de agregar valor e estabelecer preços justos.

O objetivo é valorizar biojoias – como colares e pulseiras de sementes de murumuru – e artefatos de caça decorativos produzidos por povos da Terra Indígena Vale do Javari como principal fonte de renda. “Após o teste-piloto, queremos trabalhar com todos os 18 povos indígenas da região”, conta Arenillas, na expectativa de aumentar em dez vezes o atual preço pago aos indígenas pelas peças.
A rastreabilidade para garantia da origem, confiança e maior rapidez na comercialização deverá ser realizada em plataforma que está sendo construída na incubadora pela startup Ikaben, que trabalha com grafismos indígenas e foi selecionada para mentoria na chamada Elos da Amazônia – Edição Empreendedorismo Científico Indígena.
A iniciativa é desenvolvida pelo Idesam, Instituto de Desenvolvimento Tecnológico (INDT) e Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio), mecanismo que repassa recursos que as empresas da Zona Franca de Manaus são obrigadas a investir como P&D em contrapartida dos incentivos fiscais.
O sonho do rapper ticuna
Em Tabatinga, um dos municípios brasileiros de pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o rapper ticuna Guild Blan não se encolheu diante da dura realidade social com o aumento da violência, alcoolismo e criminalidade. Ele seguiu os passos do avô sanfoneiro e criou shows de música em língua indígena no estilo reggaeton, que combina influências da música latina e caribenha com hip hop, salsa e eletrônica. A iniciativa reduziu os problemas entre os jovens; o artista fez eventos em comunidades, ganhou prêmios e modelou um projeto para representar o povo ticuna através da música (veja no vídeo).

Após ajudar o pai no sustento dos oito irmãos, o indígena encontrou sinais positivos para avançar. O plano é a criar um negócio no modelo de um instituto cultural para captar parcerias e instalar o estúdio de produção musical, também usado para formar a juventude local em audiovisual e na música e dança que passaram a empolgar as comunidades. “Enquanto o sonho não se realiza, mantemos os ensaios na frente de casa na rua”, diz Blan, formado no curso de tecnólogo em agroecologia e integrante da incubadora InPactas, onde tem apoio para seguir em frente e replicar a cultura rapper nas comunidades da região.
No caso da dupla Vinícius Garzon e Gabriel Maia, estudantes de Administração, as atenções estão no turismo. Inconformados com o movimento de visitantes em território brasileiro muito inferior ao verificado no lado colombiano da floresta, resolveram se mexer e criar uma startup – a Amazônia de Boa. O negócio consiste no mapeamento cultural e turístico das comunidades e seus atrativos, junto a aplicativo com ferramenta de gamificação para motivar e engajar as pessoas nos roteiros por meio do cumprimento de missões. “Queremos proporcionar uma imersão mais criativa, diferente das atividades convencionais”, explica Maia, que iniciou visitas às cerca de 60 comunidades locais para o levantamento.
“Há um bom número festivais culturais associados a nomes da biodiversidade, como a Festa do Açaí ou Festa da Arara Vermelha, que hoje muitos só sabem se alguém postar nas redes sociais”, acrescenta Garzon. Segundo ele, sem inovações, em região limitada de oportunidades, os jovens tentam a vida na capital, buscam um emprego público na prefeitura ou abrem um comércio na cidade. “Queremos algo a mais para ir além na nossa qualificação na universidade, contribuindo com o desenvolvimento da região”.
A moda e os peixes amazônicos
No Amapá, a criatividade está na moda – mais especificamente, na transformação de peles de peixes amazônicos em couro de alto padrão para compor bolsas, carteiras e outros acessórios nas vitrines. O que é normalmente descartado como resíduo vira renda para cooperativas de pescadores. “O nosso olhar está no mercado de clientes que querem se posicionar através daquilo que consomem”, revela Bruna Freitas, CEO da Yara Couros, em Macapá. Pirarucu, corvina, pescada-amarela e acará-açu fornecem a matéria-prima biológica em diferentes padronagens de cores e texturas, processada com tecnologias especiais de curtimento na empresa.

“O desafio tecnológico está no tempo de processamento do couro quando usamos ingredientes naturais, mais longo do que em curtumes tradicionais”, conta a empresária, com plano de lançar em julho uma nova plataforma de e-commerce para ativar vendas junto a marcas de moda e designers, com uso dos couros também em revestimento de carros de luxo e pulseiras de smartwatches.
Com capacidade atual de duas toneladas por semana, o negócio reduz os riscos de poluição e o custo da destinação final correta do resíduo, fortalecendo a cadeia produtiva do pescado. Filetadores são treinados para melhor aproveitamento da pele e aumento da receita. No caso do pirarucu, enquanto 1 kg de pele é comprado por R$ 200 em frigorífico, uma bolsa de porte médio confeccionada com o material chega a custar R$ 6 mil nas vitrines.
“O maior potencial negligenciado na região”
“Gero empregos, pago impostos, tenho diversas produções com inserção global e nunca derrubei uma árvore”, afirma Olímpio Neto, CEO da Petit Fabrik, empresa de tecnologia e entretenimento em Manaus. Com staff de 80 pessoas e faturamento anual superior a R$ 10 milhões, o empresário começou a trajetória com animações em 2D para publicidade produzidas em bairro da periferia da capital amazonense. Passou a fazer pequenas produções para o mercado de São Paulo, diversificou para explorar mais o digital e entrou no mundo dos games, produzidos para fora do Brasil.
Hoje tem produções importantes no portfólio, como quatro longas-metragens de computação gráfica e a consagrada série internacional “Amazônia – Lupita pelo Mundo”, na Amazon Prime. A personagem canta a riqueza da floresta, da fauna e a abundância dos rios, na batida do Boi-Bumbá, típica do folclore amazônico.
“Devemos vestir a indústria criativa de ‘bio’, com o status de gerar riqueza e preservar a floresta”, reforça Neto, autor do jogo Kukoos, lançado para Playstation 4 e PC. Hoje a empresa tem dois jogos, quatro longas e uma série de TV em produção. “Ainda assim somos mais conhecidos lá fora do que no Amazonas; cresci ouvindo que para ter projeção teria que ir embora para São Paulo. Hoje minha visão é de quem mora em um ponto global de atenção: a Amazônia, tão reconhecida quanto as Pirâmides do Egito ou a Muralha da China. Infelizmente, a indústria criativa é o maior potencial negligenciado da região”.
Criatividade na educação
A digitalização está transformando a economia criativa. Os serviços de streaming já respondem por 67,3% das receitas globais com música. A IA é um fator-chave nessa mudança, aprimorando a criação, a distribuição e o consumo de conteúdo, com aplicações na educação. Em Belém, uma inovação mistura aprendizado de matemática, metaverso e uso da biodiversidade amazônica: o miriti – ou buriti, como se chama em algumas regiões.
A palmeira nativa fornece fibras utilizadas em óculos de realidade virtual pela empresa de tecnologia para educação Inteceleri. O dispositivo é usado para ensino de Geometria no metaverso, com imersão via realidade aumentada e IA.

Até hoje foram produzidos 10 mil óculos, com renda para comunidades fornecedoras, abrangendo mais de 200 pessoas desde a coleta sustentável na natureza até a montagem e acabamento, feito por mulheres. Uma coleção especial do equipamento será decorada com grafismos amazônicos para demonstração em eventos na COP 30 e venda nos kits educacionais que incluem outras tecnologias da empresa para melhorar a aprendizagem na rede pública de ensino.
“Além dos resultados nas escolas, experimentos com os óculos nas comunidades fornecedoras abrem a cabeça dos jovens para ampliar o conhecimento e chegar a outros mundos”, destaca Walter Oliveira Junior, CEO da empresa, presente em sete estados brasileiros, Europa, Estados Unidos e África.
No caso da startup Academia Amazônia Ensina, a experiência de aprendizagem é outra: a imersão nas realidades e modos de vida locais em expedições para o público na faixa da graduação e executivos de empresas. “Nascemos com objetivo de desmistificar visões e desconstruir tabus e estigmas, apresentando uma Amazônia do século XXI das pessoas, da tecnologia e da bioeconomia”, revela a CEO Maria Eugênia Tezza. Com roteiros nos arredores de Belém e nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro e do Uatumã, no Amazonas, já foram realizadas 17 expedições, com mais de 350 visitantes.
Além de universitários que ampliam a formação da academia, onde os currículos oficiais não costumam incluir pautas ligadas à sustentabilidade, é crescente o interesse de empresas para o contato do alto escalão com o cenário das comunidades amazônicas. No período mínimo de oito dias, os grupos participam de palestras, rodas de conversa e caminhadas na natureza onde conhecem atividades produtivas e o cotidiano ribeirinho, com aprendizados que levam para o resto da vida.
As expedições mobilizam as cadeias locais do turismo comunitário (gastronomia, hospedagem, passeios em lancha e trilhas), proporcionando ganhos econômicos para quem conserva a floresta em pé. “Após a pandemia, houve grande demanda pelo envolvimento com a Amazônia”, observa Tezza. Basf, Itaú e Latam são exemplos da participação corporativa nas viagens, além de universidades americanas, como Harvard, que trouxe estudantes e pesquisadores para uma imersão de conhecimento de 12 dias.
Em 2025, entre outras novidades, a empresa organizará a Virada Amazônica com visita a comunidades e ao icônico Teatro Amazonas, em Manaus, para espetáculos de música e oficinas teatrais e de escrita criativa. Por essas e demais iniciativas, uma nova economia do conhecimento desponta na Amazônia. Uma nova ópera que chega para desbloquear potenciais e ressignificar os valores da região.